39 RESUMO E CONCLUSÕES – DIÁLOGO COM AS SOMBRAS HERMÍNIO C. MIRANDA

Creio haver chegado ao final da tarefa que me impus, na tentativa de fixar no papel alguns dos muitos ensinamentos amealhados, em mais de uma década, no trato íntimo e permanente com inúmeros companheiros desencarnados.
Não me foi possível evitar que este livro se revestisse das características de um depoimento pessoal, pela razão, que me parece muito simples e válida, de que ele é mesmo um depoimento pessoal, pela própria natureza das experiências que procura transmitir.

Seu objeto é o ser humano, usualmente em penoso estado de desarmonização interior; não são quantidades físicas de substâncias químicas, cujas reações podemos prever, estudar e repetir à vontade, na frieza clássica dos números, dos pesos, das medidas.
Os irmãos que comparecem aos nossos grupos mediúnicos estão em crises, por vezes, seculares, e até milenares.
Perderam-se no emaranhado de suas perplexidades e não podem atinar sozinhos com a trilha que os leve para fora do poço profundo e escuro, de volta àluz abençoada do Senhor, sob a qual possam contemplar suas imperfeições e empenhar-se em alijá-las do coração.

O trabalho de doutrinação, chamado tão apropriadamente de trabalho de resgate, em inglês (rescue work), só é possível em clima de total doação, de empatia, de profundo e sincero amor fraterno, o que o torna uma atividade do coração, muito pessoal, essencialmente humana.
Não há nele espaço para meias-verdades, fingimentos “inocentes”, indiferença ou comodismos.

O grupo mediúnico é instrumento de socorro, ferramenta de trabalho, campo de experimentações fraternas e escada por onde sobem não apenas os nossos companheiros desarvorados, mas subimos também nós, que tentamos redimir-nos na tarefa sagrada do serviço ao próximo.
O grupo merece e exige cuidados muito especiais, dedicação constante, vigilância permanente, desde antes mesmo de constituir-se.
É preciso criar para ele uma estrutura robusta, mas suficientemente flexível, para que possa funcionar sem hesitações e interrupções.
Se o trabalho que lhe for cometido, pelos companheiros espirituais, revelar-se fecundo e promissor, ele será implacavelmente assediado.
Levantar-se-ão contra ele forças obstinadas, dispostas a tudo para fazê-lo calar-se e dissolver-se.
Assim, nada de ilusões: a medida de seu êxito, em termos espirituais, é precisamente a perseguição indormida, a pressão assídua de companheiros em desequilíbrio, que não hesitarão diante de nenhum recurso, para destruí-lo.

Por isso, na fase de planejamento, devem ficar bem definidos, além de suas finalidades e objetivos, seus métodos de trabalho.
Nunca chegaremos a prever todas as situações que um grupo poderá enfrentar, mas seus métodos têm que ser suficientemente ágeis, para as acomodações necessárias, sem prejuízo das tarefas que se desdobram.
Nunca saberemos o suficiente em matéria de contacto com os nossos irmãos desvairados pela dor e pela revolta.
Cada sessão é diferente, cada manifestação traz uma surpresa ou um ensinamento novo.
É necessário que observemos com toda a atenção qualquer pormenor, aprendamos a lição que cada um deles contém e a incorporemos ao acervo da experiência.

Citarei um pequeno incidente, aparentemente sem importância.

Nossos amigos espirituais de há muito nos haviam prevenido de que, em hipótese alguma, deixássemos ultrapassar o horário de atendimento, como ficou dito e explicado alhures, neste livro.
Muito bem.
Redobrei o cuidado com o controle do tempo e, então, veio outra observação: recomendavam-me que procurasse colocar o relógio diante de meus olhos, de forma que, para consultá-lo, não fosse necessário virar-me e tomá-lo nas mãos, como costumava fazer.
Por que a recomendação? Muito simples: não apenas a preocupação excessiva com o tempo pode desviar-nos do clima exigido pelo trabalho, mas porque até mesmo o próprio gesto de voltar-me poderia quebrar a continuidade da tarefa junto ao irmão incorporado, exigindo provavelmente esforço maior dos companheiros desencarnados.
Quem poderia imaginar que a mera posição de um relógio, na sala de trabalho, fosse tão importante, a ponto de merecer advertência específica?

Além de tais observações esporádicas, dos companheiros espirituais, infinitamente mais experimentados do que nós, o estudo é uma necessidade imperiosa, absoluta.
Temos a tendência de julgar que sabemos mais do que realmente sabemos.
É fácil testar essa verdade.
Leia você, leitor, qualquer página de “O Livro dos Espíritos”, ou de “O Livro dos Médiuns”, e verá que há sempre aspectos que você não havia ainda notado, observações que passaram despercebidas, ângulos insuspeitados, por mais que você esteja certo de conhecer bem a obra de Kardec.
O mesmo é válido para qualquer outro documento doutrinário sério, como as obras complementares.

O aprendizado tem que ser constante, por várias razões.
Primeiro, porque nossa memória é falha, e leva-nos a esquecer recomendações e instruções importantes, já lidas no passado.
Segundo, porque mesmo durante a leitura, a mente divaga, e lemos trechos substanciais, sem a participação do consciente.

Um grupo, porém, não são apenas finalidades, objetivos e métodos; ele é também gente.
Encarnada e desencarnada.

Quanto aos encarnados, nossos companheiros em torno da mesa, toda a atenção deve ser posta em selecioná-los, O grupo tem que começar de maneira certa, para subsistir.
Se for constituído à base de elementos inconstantes e inseguros, serão remotas suas possibilidades de sobrevivência e inseguros os trabalhos, por melhores que sejam as intenções.

Além dos demais pontos críticos, a seleção dos médiuns é da mais alta importância, bem como a maneira de tratá-los e integrá-los no trabalho, a fim de que possam dar de si mesmos, em clima de segurança e confiança.
O médium não deve dominar o grupo, nem ser dominado por ele, e sim portar-se como um dos trabalhadores que o compõem.
Se a recomendação de estudar sempre é válida para o grupo, como um todo, para o médium ela adquire as proporções de uma obrigação.

O doutrinador não será jamais o sumo-sacerdote de um novo culto, a impor ritos e fórmulas mágicas, a ditar ordens, como um general em campanha; ele é apenas mais um trabalhador, o que não significa que a disciplina do grupo deva correr à matroca.
Usualmente, o doutrinador acumula as funções de dirigente encarnado dos trabalhos, pela simples razão de que, no contexto de um grupo humano, alguém precisa assumir a liderança.
Liderança, porém, não é despotismo.
Se ele é também o dirigente humano, precisa contar com o respeito afetuoso de seus companheiros, para que possam trabalhar todos em harmonia.

Se sentir que não tem condições pessoais para doutrinar, deve atribuir essas funções a outros membros da equipe, que julgue mais bem qualificados.

São rigorosas as especificações de um bom doutrinador; dilicilmente reúnem-se todas as características desejáveis numa só pessoa.
Por isso, lembrei por aí, no livro, que não há doutrinadores perfeitos; contentemo-nos em ser razoáveis e lutemos por adquirir as qualidades que nos faltam.
De minha parte, considero algumas dessas qualidades como apenas desejáveis, e outras indispensáveis.
Entre estas colocaria, como vimos:

* Formação doutrinária

* Evangelização

* Autoridade moral

* Fé

* Amor

O grande ativador desses petrechos espirituais é, sem dúvida alguma, o amor.
Para o doutrinador, o preceito evangélico do “amai-vOS uns aos outros”, e aquele outro, “amai os VOSSOS inimigos”, não são apenas frases bonitas, para declamar aos Espíritos, mas condições essenciais ao trabalho.
O amor fraterno, no trabalho de doutrinação, tem que ser sentido mesmo, e não apenas fingido ou forçado; tem que emergir das profundezas do ser, como um movimento irreprimível, no qual nos doamos integralmente, quer o companheiro aceite ou não, de pronto, a nossa entrega.
O impacto do amor Sincero, no coração de um irmão que sofre, éuma das coisas mais impressionantes e comoventes do trabalho de doutrinação.
Vemo-lo repetir-se a cada instante, sempre o mesmo, e nunca nos cansamos de admirar a sua força positiva e construtiva.
Jamais deixei de me surpreender com o espetáculo emocionante desse impacto, o único, em nossa miserável existência de seres imperfeitos, que nos dá realmente a sensação de que o amor é um milagre que podemos realizar em nome do Cristo.

Quando Ele falou a João que nós somos deuses, creio que se referia especificamente ao amor em nós.
Ao criar-nos, Deus colocou em nós a fagulha do amor, dizem os grandes instrutOres.
E freqüentemente nos esquecemos de que uma fagulha do infinito é também infinita e, por isso, são ilimitadas as nossas possibilidades de crescimento, pelas trilhas do amor.
Parece que o Pai imantou com esse amor a nossa pequenina limalha e, por isso, somos irresistivelmente atraídos para Ele, através do espaço infinito e do tempo imemorial.

Assim, quando conseguimos transmutar-nos em amor, ante os companheiros que sofrem, estamos nos colocando no sentido e na direção que segue todo o Universo.

Quem poderá resistir?

— “Se Deus está conosco — dizia o nosso Paulo — quem estará contra nós?”

Se me fosse pedido o segredo da doutrinação, diria apenas uma palavra:

— AMOR!

Fim

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