34 RECORDAÇÕES DO PASSADO – DIÁLOGO COM AS SOMBRAS HERMÍNIO C. MIRANDA

Somos o nosso próprio passado.
Dormem soterradas nos tenebrosos porões do inconsciente as razões das nossas angústias de hoje, tanto quanto estão em nós as conquistas positivas, que lutam por consolidar-se na complexidade da nossa psicologia, tentando suplantar os apelos negativos que insistem em infelicitar-nos.
Estamos a caminho da redenção quando damos apoio consciente às tendências do bem em nós, quando estimulamos, com as nossas lágrimas, e cultivamos, com amor e sofrimento, as sementeiras da paz.
Se, ao contrário, nos deixamos dominar pelas sombras que trazemos no íntimo, paramos no tempo, enquanto se aprofundam em nós as raízes do desequilíbrio, no terreno fértil das paixões que julgamos tragicamente indomáveis, quando são, simplesmente, indomadas.
É preciso saber que cabe a nós — e a ninguém mais — domá-las; mas, enquanto nos apraz o erro, todo o nosso esforço é posto na tarefa inglória de manter soltas as paíxões, e presas as recordações.

São de incontestável importância estas noções, no trabalho de desobsessão.
Para o Espírito atormentado pelos seus desequilíbrios, o futuro não importa, o passado não interessa e o presente é a única realidade que aceitam e manipulam livremente, segundo os impulsos do momento.
Comprimidos numa estreita faixa de presente, que procuram viver com toda a intensidade possível, entre um futuro que ainda não existe e um passado que procuram ignorar, esquecem-se de que não poderão, jamais, fugir às suas responsabilidades e compromissos.

Quando os advertimos dessas incongruências funestas, respondem-nos que não estão preocupados com o futuro, dado que, ao chegar a vez de sofrerem pelos seus erros, saberão fazê-lo com dignidade e coragem.
Esperam, naturalmente, ser tão valentes perante a dor própria, quanto o são perante a alheia.
Trágico e doloroso engano é esse; mas, que se há de fazer? Temos a impenitente propensão para rejeitar como inválida a experiência alheia.
Quanto mais arrogante e belicoso o companheiro desarvorado, maior a dor que experimenta ao despertar para as realidades que procurou ignorar por tanto tempo.
A dor dos grandes criminosos é terrível, comovedora, trágica, desesperada, nesses momentos dramáticos em que o Espírito se acha completamente aturdido ante a enormidade de seus erros.

Para abrir diante dele uma janela sobre si mesmo, a chave mais importante de que dispõe o doutrinador consiste em levá-lo a contemplar seu próprio passado, fortemente protegido pelos mecanismos do esquecimento deliberado.

Talvez por isso escreveu Sholem Asch, na abertura de “O Nazareno”:

“Não o poder de recordar, e sim o poder de esquecer, constitui uma das condições necessárias à nossa existência.


O escritor judaico não positivou no livro a sua crença na reencarnação, embora seja essa a temática de que se utilizou para elaborar a sua estória, mas não se pode negar a sua intuição da verdade.
É precisamente por isso que a sabedoria divina determinou que se apagasse em nós, ao tomarmos novo estágio na carne, a lembrança das existências anteriores.
Que seria de nós, se fôssemos obrigados a viver sob o tropel das pungentes recordações de antigos e medonhos erros?

É preciso, no entanto, distinguir bem uma coisa da outra.
O esquecimento proporcionado ao Espírito, na fase da reencarnação, é uma bênção, uma concessão, para que ele tente a reconstrução de si mesmo, como se estivesse momentaneamente desligado das suas culpas, embora ainda responsável por elas.
Com a finalidade de conceder-lhe todas as oportunidades, e colocar à sua disposição os melhores instrumentos, o esquecimento do passado constitui dádiva preciosa, que nem sempre ele sabe avaliar.
Retornando, não obstante, à sua condição de espírito desencarnado, pode ser-lhe facultado o acesso à memória integral, para que faça um inventário geral de seu acervo espiritual — as aflições que remanescem e as conquistas que já conseguiu realizar.

Esse momento é crítico, na trajetória evolutiva do Espírito.
Novamente se vê ele numa das inúmeras encruzilhadas da vida: por um lado, poderá prosseguir no áspero caminho da redenção; conseguiu abrandar algumas arestas mais contundentes do seu caráter e desenvolver umas poucas virtudes embrionárias.
É seguir em frente, em nova aventura na carne, depois de uma pausa, para refazer-se, no mundo espiritual.
É certo que, por aí dificilmente ele irá à glória imediata, ainda que efêmera, ou ao poder, que talvez ainda o fascine; é mais certo que continue o percurso da dor, da renúncia, dos desenganos, porque a redenção ainda vem longe, para aquele que muito errou.

Do outro lado, está o caminho aparentemente mais fácil e certamente mais convidativo do adiamento.
Ficam para depois as conquistas sobre nós mesmos.
Vamos primeiro “gozar” a vida, dominar o semelhante, açambarcar o poder, acumular riquezas materiais, viver, enfim, intensamente, irresponsavelmente, alegremente.
Depois, veremos como acertar essas contas com o que, por largos séculos ou milênios, teimamos em chamar de destino.
É aquele que opta por este caminho, que também decide pelo esquecimento.
Suas angústias são muitas, seus remorsos extremamente penosos, e ninguém pode gozar a vida com esse lastro de aflições.
O melhor, mesmo, é esquecê-las, sepultá-las, ignorá-las, como se o passado não existisse mais em nós, e o futuro nunca fosse existir.

Dentro dessa lógica atormentada, encerra-se o Espírito endívidado num círculo de fogo, de sua própria criação.
Só poderá sair queimando-se; enquanto permanecer ali, está abrigado de si mesmo.
Para proteger-se do calor que faz à sua volta, congela o coração, pois, além disso, o frio anestesia a sensibilidade e o imuniza da dor alheia.

Está pronto o obsessor para a sua tarefa.
É só, agora, sair em campo, buscar seus comparsas, perseguir seus inimigos e construir um nicho para si mesmo, no mundo espiritual, ligando-se a tenebrosas organizações, dentro das quais os membros protegem-se mutuamente, enquanto mutuamente se servirem.
Dentro de pouco tempo — e que é o tempo, em tais condições? — o passado, que foi recalcado para os subterrâneos da memória perispiritual, passa à condição de não-existente.
É como se a vida principiasse novamente, do ponto em que a inocência a deixou, há milênios sem conta, O Espírito, assim envolvido, acaba por acreditar-se uma criatura sem passado, embora, adstrito à incoerência dos alienados, utilize-se, em proveito próprio, de todo o acervo de experiências e conhecimentos que traz em si, daquele mesmo passado que renega.

Se é verdade, pois, que temos de descobrir uma fórmula para levá-lo a recordar, é igualmente verdadeiro que se torna extremamente difícil fazê-lo, porque é justamente disso que ele foge.
Quantas vezes os temos surpreendido a advertirem-se do “perigo” que representa, para eles, caírem na faixa da recordação.
Como reagem, como relutam, como temem os fantasmas interiores, que lhes pareciam desintegrados para sempre na poeira do tempo!.
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Vários recursos são empregados, pelos mentores espirituais dos grupos de desobsessão, para obter dos companheiros desarvorados o mergulho necessário nas lembranças recalcadas.

Um dos mais comuns é o da projeção dos chamados “quadros fluídicos”.
O Espírito vê, diante de si, incoercivelmente, cenas vivas de seu passado, especialmente aquelas que constituem o núcleo de sua problemática, que precisa ser dispersado, para desatar os laços que o prendem às suas angústias e ao seu alheamento.
É evidente que as cenas não são criadas com a substância evanescente da fantasia; a matéria-prima, indispensável a essas montagens, encontra-se nos arquivos perispirituais do ser ali presente.
Os técnicos desencarnados limitam-se a manipular, com respeito e dignidade, os recursos necessários para desencadear o processo terapêutico, como o médico que ministra um remédio amargo, justificado pela expectativa da cura de seu doente.

Não temos, ainda, os encarnados, condições e conhecimentos para apreender a essência das técnicas empregadas para a obtenção das projeções.
André Luiz deixa-nos entrever tais processos, em “Missionários da Luz”, quando narra o trabalho de doutrinação junto a um ex-sacerdote desencarnado: “.
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vários ajudantes de serviço — escreve ele, no capítulo 17 — recolhiam as forças mentais emitidas pelos irmãos presentes, inclusive as que fluíam abundantemente do organismo mediúnico, o que, embora não fosse novidade, me surpreendeu pelas características diferentes com que o trabalho era levado a efeito.


— “Esse material — explicou o instrutor — representa vigorosos recursos plásticos, para que os benfeitores de nossa esfera se façam visíveis aos irmãos perturbados e aflitos, ou para que

materializem provisoriamente certas imagens ou quadros, indispensáveis ao reavivamento da emotividade e da confiança nas almas infelizes.
” (Destaques desta transcrição.
)

O instrutor prossegue, explicando que, com essas formas de energia, recolhida dos encarnados presentes, podem os benfeitores espirituais prestar certos serviços importantes àqueles que se encontram ainda presos ao padrão vibratório da carne, não obstante já se acharem desligados dela, às vezes, há muito tempo.

Ante o impacto dessas imagens, que parecem surgir límpidas, vivas e dramáticas, de um passado que julgavam morto, os irmãos desarvorados parecem saltar o circulo de fogo que os envolve, e, como se do lado de fora de si mesmos, têm uma pausa para reexame de suas posições desesperadas.
Afinal de contas, o que estão fazendo? Que loucura é aquela em que mergulhamos? De onde vem tudo isso, no passado, e até onde irá, no futuro?

Um desses companheiros atormentados, anti-semita irredutível, viu os quadros do êxodo no antigo Egito, onde foi um dos membros sacrificados da corte do faraó.
Recuando mais, porém, foi encontrar raízes muito mais profundas, do drama, na antiga Babilônia, onde, em posição diferente, enfrentara o difícil problema da longuíssima saga do povo hebreu.
Pela primeira vez, em muito tempo, perguntou-me, algo perplexo:

— Será que isso não tem fim?

Senti que a pergunta era mais dirigida a ele próprio do que a mim, mas, disse-lhe que sim, podemos pôr um ponto final nesses círculos viciosos, que buscam eternizar-se dentro de nós, por um esforço da nossa vontade, que só é possível depois de compreendermos a inutilidade do ódio e a força invencível do amor.

Às vezes, o Espírito acha-se tão profundamente condicionado ao clima vibratório mais grosseiro, que se torna necessário aos benfeitores utilizar ectoplasma, produzido por médiuns de efeitos físicos, não apenas para adensar as formas perispirituais de companheiros desencarnados, que devem tornar-se visíveis, como verificamos no texto de André Luiz, acima transcrito, como para formar os próprios “quadros”.
Num caso particularmente difícil que tivemos, um dos médiuns começou a expelir ectoplasma, enquanto eu dialogava com o Espírito incorporado.
A certa altura, o ectoplasma formou, para a sua visão, as letras de um nome de mulher, antigo amor, cuja lembrança ele procurava recalcar nos porões da memória.

Em outro caso, de vigorosa dramaticidade, o Espírito viu, sobre a mesa, um grosso livro, encadernado em capa de madeira, sobre a qual estava seu nome, escrito em belos caracteres de bronze.
Era a história de sua própria vida.
Ele sabia que precisava abri-lo, mas não se sentia encorajado.
Era, evidentemente, um recurso, para levá-lo ao reexame de seus atos, ao passado, enfim.
Depois de muita relutância, fez o gesto de virar a capa.
A primeira página estava em branco! Fez uma pausa e virou mais uma: também em branco.
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– Todo o livro estava em branco.
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A lição era por demais óbvia: nada construíra naquela existência tumultuada, durante a qual dominara povos, ao poder da espada impiedosa.

As cenas são mostradas com todo o seu realismo: o movimento, os sons, as cores, como se um “video tape” as reproduzisse, com toda a sua intensidade e emotividade.
Com muita freqüência, os Espíritos relutam em contemplá-las, e procuram fugir das visões que, não obstante, tornam-se irrecusáveis, e impõem-se, a despeito deles próprios.

A um deles a visão era de uma folha de papel e uma pena.
Cabia-lhe assinar o documento, que ele sabia ser uma sentença de morte.
Fizera-o, certamente, no passado, e agora revia o momento dramático, com uma diferença: alguém contemplava, a curta distância, fixando nele um par de olhos tranqüilos, cheios de amor fraterno, provavelmente os de sua vítima.
Seu desespero é atroz.
Pede que lhe tirem da frente o papel e a pena.
Que lhe cortem a mão que assinou a sentença e que fique cego, para não contemplar mais aqueles olhos.
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Diz que matou uma santa, e informa:

“uns são canonizados e outros queimados”.

*

Muito freqüente é a presença de antigos e esquecidos amores:

mães, esposas, filhos, ou amigos muito chegados ao coração.
Se fosse realizada uma pesquisa estatística sobre tais manifestações, estou certo de que as mães ocupariam o primeiro lugar, destacadamente.
A pureza do amor materno permanece inalterável, ao longo dos séculos e das vicissitudes, arrosta as ingratidões, suporta as humilhações, vence o ódio, vence tudo.

Lembram-se das cenas finais de “Libertação”? É a mãe que vai buscar o filho amado, nas profundezas de seus tenebrosos domínios.
Ela alcançara, já há muito, as regiões da felicidade; mas, e a dor de ter o seu amado preso ainda às paixões do mundo? Vai ao seu encontro, numa descida sacrificial às difíceis regiões em que ele vive e sobre as quais reina, incontestado.

— “Sou Matilde — diz ela — alma de tua alma, que, um dia, te adotou por filho querido e a quem amaste como dedicada mãe espiritual.


Quantas vezes temos assistido a reencontros emocionados, que nos velam de lágrimas os olhos!

Lembro-me de um deles, em particular.
O Espírito vinha assediando-nos há tempos, semana após semana.
Manifestou-se, primeiro aparentemente muito calmo e tranqüilo.
Disse que ia passando por ali e resolvera fazer-nos uma visita.
Nada queria de especial: iria apenas observar-nos e, se fosse o caso, tomar suas providências”.
Deixou no ar a ameaça ô partiu.
Mal suspeitava eu da demorada aventura que ali começava.
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Por algumas semanas, observou-nos.
Pouco falava nas suas manifestações.
Revelou, apenas, que já tinha sob seu controle alguns daqueles que dispunham de maior quantidade de “massa cinzenta”, mas começava a deixar transparecer, também, certa preocupação, porque algum delator, a seu ver, havia contado a nós os seus propósitos e objetivos.
Na vez seguinte suas preocupações estavam ampliadas, porque descobriu que, através de processos de regressão de memória, de nosso conhecimento, estávamos penetrando certos núcleos.
Nessa mesma noite, tem a primeira visão de algo que muito o perturba.
Adormece e parte.
Na semana seguinte não consegue mais manter-se calmo, como das vezes anteriores.
Está indignado, furioso.
Diz que tudo ruiu em torno dele.
Tinha o poder de um semideus, e “fomos mexer com a sua familia!” Dá murros na mesa, dominado pelo ódio e espicaçado pela humilhação.
Se pudesse, me pegaria, para mandar queimar-me vivo! Acaba em pranto, de revolta e de impotência.

Em seguida, por outro médium, manifesta-se um Espírito feminino e conta a sua dolorosa história.
Foi mãe daquele que acaba de retirar-se.
Foi, por certo, a sua presença ali, junto dele, que o perturbou há duas semanas.

— Ele é bom — diz ela —, mas muito vaidoso.

Ainda vê nele o filho querido de quatro séculos atrás.
Ela mesma ainda não está bem.
Sofre muito e foi trazida somente para

encontrar-se com ele.
No passado, enquanto encarnados, também teve um encontro dramático com ele.
Ele a abandonara à sua própria sorte e ela enveredara pela degradação mais abjeta.
Quando já se encontrava na sarjeta, procurou-o e foi repelida.
Ele se havia tornado muito importante na hierarquia eclesiástica.

Os séculos se passaram, e tudo quanto ela esperava, agora, era merecer novamente a oportunidade de ser mãe, mãe digna.
Digo-lhe que as mães são seres humanos e, por isso, também erram.
Ofereço-lhe a nossa ajuda, que ela agradece, dizendo que tem de voltar para onde está, no momento.

Com este caso, desencadeou-se extenso processo, que se desdobrou em aspectos inesperados e de profundas implicações.
Nunca pudemos, no entanto, esquecer a ajuda daquela mãe humilde, e ainda mergulhada nas dores do resgate, que nos ajudou, com a sua presença amiga, a despertar o valoroso Espírito que adormecera nas suas paixÕes, embalado pelo amor ao poder.

Em caso semelhante a esse, o Espírito consegue divisar a figura de sua mãe, ajoelhada diante dele, a pedir-lhe perdão.
Ele reluta e resiste, porque é este, precisamente, o âmago de sua problemática: foi abandonado, por ela, à roda, e por isso ele repete agora, a si mesmo, que não tem mãe.
Oramos, damos-lhe passes, e, por fim, ele não mais resiste:

— Tenho mãe! — diz ele.
— Não sou um desgraçado!

De outra vez, num caso a que já me referi alhures, o Espírito tinha um problema pessoal comigo.
Era questão antiga, de mais de oito séculos! Em conseqüência desse, e de outros desenganos, vagava ainda pelas trilhas da revolta e do rancor.
O problema era extremamente difícil, porque se tratava de um caso em que o ódio concentrava-se diretamente sobre um de nós, precisamente aquele que se incumbia de doutriná-lo e esclarecê-lo.
Ele se mantinha irredutível, pois minha presença obviamente reanimava nele as antigas paixões e frustrações, das quais não conseguira desembaraçar-se.
Foi num desses pontos críticos do diálogo que outro médium me disse que um Espírito presente desejava dizer alguma coisa diretamente a ele.
Era sua mãe.
Elevei meu pensamento em prece e, com enorme respeito, ouvi o diálogo através do tempo, entre a mãe amorosa, que não esquecera e sofria com a ausência do filho, e o filho que recusava obstinadamente o amor, porque estava achando impossível viver sem o ódio e a vingança.

Pede-lhe ela, com infinito carinho e humildade, que abandone aquela vida e venha para junto de seu coração.
Todos estão juntos na família; só ele está ausente.
Não está convencido de que ele a recuse.
Deseja ouvir dele próprio a negativa.
E ele diz que não a quer mesmo, pois seu caso ali é outro.
Que ela não se meta; continue a fazer seus bordados.
Ela lhe lembra as velhas cantigas e aquele tempo em que ele orava no quarto, em silêncio, junto de Deus.
Depois lhe diz que vai deixar o médium, pelo qual lhe está falando, para aconchegá-lo junto ao seu coração.
Ora, comovidamente, à Mãe Santíssima, em palavras simples, expondo o seu problema e as suas dores.

Quando conseguimos, afinal, despertar o amado companheiro, dirijo a ela um pensamento de infinita ternura e gratidão, porque estou certo de que, sem o seu concurso, não o teríamos alcançado.
Bem que ela poderia também ter guardado certa mágoa de mim, porque fui um dos agentes de sua angústia, mas não teve para mim uma palavra de censura ou de amargor.

Em outro caso, também muito difícil, o Espírito, autoritário e empolgado pelas suas idéias e pelo seu rancor, recebeu, diante de nós, a visita de um menino (teria sido seu filho ou neto?) que o desarmou com seu carinho, seus apelos, sua ternura infantil, saltando, sem-cerimônia, para o seu colo.
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Basta um momento assim, de ternura, de recordação, de amor, para que a luz penetre o coração angustiado desses queridos companheiros, perdidos num dédalo de sentimentos confusos, cercados de sombras, dominados pela aflição.

De outras vezes, amigos e parentes acham-se presentes, mas não se revelam à visão do Espírito manifestado.
Respeitemos suas razões, que usualmente são válidas: não teria ainda chegado a hora do reencontro.

Numa dessas oportunidades, o Espírito viera dar uma ajuda, no caso de um companheiro de quem estávamos tratando.
Em tempos idos, fora um dos principais instrumentos dos terríveis desvarios daquele a quem desejava, agora, ajudar a libertar de suas angústias.
Mesmo assim, ainda trazia ressaibos de ironia.
Ao manifestar-se, fez uma saudação:

— Divino! Divino!

E o médium dobrava-se sobre a mesa, de braços estendidos, fazendo mesuras.
Servira aos imperadores romanos.
Eles ainda se julgavam deuses, dizia.
Estava, porém, bastante lúcido.
Informou-me de que, nesse ínterim de quase dois milênios, tivera outras encarnações.
Lamenta a perniciosa influência que exerceu sobre os seus soberanos, açulando-lhes paixões aviltantes.
Eram pobres criaturas desequilibradas, mas ele, não; estava perfeitamente lúcido e consciente do que fazia, utilizando o poder dos Césares para promover seus interesses inconfessáveis.
Por isso, estava ainda preso a eles.
Quanto ao Cristianismo, já sabia, naquele tempo, que era a doutrina melhor, mas rejeitou-a deliberadamente, porque não lhe convinha.
Digo-lhe que precisa, agora, encarar seu antigo amo, não como a um poderoso, mas como a um Espírito infeliz, desarvorado e sofredor, que precisa de muita ajuda e compreensão.

Promete ajudar e diz que o que o salvou foi a visão de um homem pregado à cruz, na antiga Roma, e cujo olhar não mais esquecera, através dos tempos.
Aqueles olhos lhe penetravam as mais profundas e ignotas camadas do ser.

Diz-me uma palavra de muito afeto e anuncia que ficaria ali, ao lado, à minha direita, invisível ao seu antigo chefe, pois não chegara ainda o momento de apresentar-se à sua visão.
Poderia perturbá-lo.
E me diz, com inesquecível toque de autenticidade, que “ele” era uma criança grande, fácil de conduzir.
Bastava dar-lhe a impressão de que a decisão tomada fosse dele.
Eu deveria fazer isso; só que agora, para o bem, enquanto ele o fizera para o mal.
Antes de desligar-se do médium, disse-me, ainda, que sabia dos planos, já assentados, a respeito da próxima encarnação de seu antigo chefe, e que não iria ser nada fácil.
Despedimo-nos com uma palavra de afeição muito sincera e amiga.
Este Espírito deixou em mim uma sensação de fraternidade, compreensão e simpatia.
Conhecedor de suas próprias aflições interiores, conservava-se, no entanto, consciente e disposto a corrigir-se, muito embora sabendo que era longo o caminho a percorrer, em vista da profundidade a que descera.

Nunca sabemos, pois, que métodos e recursos empregarão os nossos mentores espirituais, na sua nobre tarefa de despertar os companheiros que permanecem hipnotizados às suas angústias.
As vezes, utilizam-se da projeção fluídica.
Os quadros são apresentados com todo o seu vigor e realismo, com cenários, personagens, cores, sons, movimento, emoções, mas formados com “material” sacado do subconsciente do Espírito, animado por meio de recursos retirados, como explica André Luiz, dos presentes em torno da mesa de trabalho.
Esses quadros exibem figuras humanas, também, é claro, mas continuam sendo projeções.

De outras vezes, não obstante, é necessária a presença real dos Espíritos ligados aos manifestantes, em recentes ou antigas encarnações.
Eles se apresentam aos seus olhos, conversam com eles diretamente, ou através de outro médium, ou se tornam semimaterializados, para poderem impressionar seus sentidos, mais pela presença de suas vibrações pessoais, do que pelo mero apelo da memória.
Nos casos em que essa presença se faz indispensável, os benfeitores espirituais incumbem-se de localizar os Espíritos ligados ao irmão que precisa de ajuda, e de trazê-los ao ambiente do trabalho, ainda que estejam encarnados, quer se encontrem endívidados ou redimidos perante a lei.
Já vimos, aqui mesmo, caso em que o Espírito manteve o diálogo com a antiga esposa

— no momento encarnada — que ele assassinara na Idade Média, num impulso de paixão e ciúme.

É preciso, pois, muito respeito com o trabalho dos nossos mentores invisíveis, depois, naturalmente, que eles demonstrarem seus conhecimentos e sua capacidade, bem como a segurança com que executam suas tarefas.
Antes que inspirem essa confiança em nós, seria arriscado segui-los confiadamente, pois há Espíritos ardilosos, que se apresentam revestidos de peles de mansos cordeiros, para melhor dominar e impor as suas condições.
Uma vez, porém, identificados como autênticos trabalhadores do Cristo, deixemos à sua iniciativa a condução dos trabalhos.
Isto não significa que devamos cruzar os braços e deixá-los fazer tudo; assistir a tudo sem espírito crítico e sem a necessária vigilância, de que tanto nos falam eles.
Não é tudo que eles podem fazer por nós.
Mesmo o grupo mais bem ajustado, integrado num trabalho sério e fecundo, poderá ser sutilmente envolvido pelos ardis das sombras, naquilo em que os nossos compromissos e erros passados nos sintonizem com os companheiros desarvorados, muitos deles nossos antigos comparsas.

É claro que os trabalhadores da seara do amor precisam de nossa colaboração, de seres encarnados, pois, do contrário, tudo fariam sem nós.
Sabem eles, no entanto, que há sempre, em nós, um componente de incerteza, de falha, de descuido, que pode pôr tudo a perder.
Eles nos assistem com desvelado carinho, amparam-nos nas horas de incerteza, ajudam-nos nos momentos de fraqueza e de desânimo, mas não podem fazer, por nós, aquilo que nos compete.
Estejamos, pois, muito atentos.

Quanto à tarefa que lhes cabe, não obstante, estejamos tranqüilos: tudo será feito, desde o planejamento cuidadoso até o último pormenor da execução, com todas as opções e alternativas previamente examinadas.
São eles que nos preparam o trabalho, dão-nos o apoio, a inspiração, os recursos e a sua presença constante, segura, tranqüila.

É certo, porém, que não poderão garantir o resultado, mesmo naquIlo que lhes cabe fazer.
Não estão manipulando mecanismos cibernéticos, mas cuidando de seres humanos, dotados de livre-arbítrio, imprevisíveis e, às vezes, muito bem dotados intelectual-mente, e que não se deixarão conduzir pela mão, como crianças timidas e ingênuas.
Eles sabem, por outro lado, que somos julgados não pelos resultados que alcançamos, mas pelo esforço que empregamos em atingi-los.

Procuremos respeitar-lhes o planejamento e a execução, pois a visão que têm dos problemas suscitados é incomparavelmente mais ampla do que a nossa, embora não infalível, que infalível só é a visão divina.
Naturalmente que, de certa forma, participamos de algumas fases do planejamento e dos contactos realizados no mundo espiritual, acompanhando-os em excursões pelo mundo da dor, durante os desprendimentos, mas nosso conhecimento é muito limitado, para autorizar-nos a precipitar qualquer situação.
Se, por exemplo, ainda não é chegado o momento de exibir uma projeção fluídica, não tentemos forçá-la, com passes e sugestões verbais, ao Espírito manifestado.
Se os companheiros dele, ali presentes, devem ser exibidos à sua visão, ou não, também ignoramos.

Enfim, a nossa posição é de ativa expectativa.
Para isso, precisamos (especialmente o doutrinador) estar com as antenas psíquicas permanentemente sintonizadas com os trabalhadores invisíveis, para captar-lhes, através da intuição, as sutis instruções que nos ministram.
E, definitivamente, não nos envaideçamos com o resultado do trabalho realizado: cabe muito pouco, a nós, dos méritos.
Baste-nos a alegria do dever cumprido, a doce felicidade de ter, uma vez mais, servido de humildes e imperfeitos instrumentos da pacificação.

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