O PAI-NOSSO IV – Rodolfo Calligaris – O Sermão da Montanha

“O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje.


O homem, ser complexo que é, constituído de corpo e alma,

precisa de substâncias nutritivas que lhe sustentem o organismo e

lhe forneçam energias para o trabalho, mas não prescinde de

outras coisas mais transcendentes, ou seja, daquilo que favoreça o

desenvolvimento de suas faculdades intelectuais e morais.

Nos primórdios de sua evolução, quando apenas vegeta, só

carece de manter-se vivo; desse modo, a conquista da subsistência

material é a razão de ser de toda a sua luta, de todos os seus

esforços.

Posteriormente, entretanto, começa a sentir outras emoções e a

alimentar outros desejos, eis que a simples conservação da vida já

não o satisfaz.
Uma sede de conhecimento exalta-lhe a mente,

levando-o a pesquisar o “como” e o “porquê” dos fenômenos que

ocorrem consigo e em seu derredor, ao mesmo tempo que um ideal

superior — a busca da Beleza e da Justiça — irrompe sob o

impulso da lei de progresso que lhe preside ao destino, e passa a

manifestar-se, insopitavelmente, nos íntimos refolhos de sua

alma.

Esse “pão” que, na prece do Pai-nosso, Jesus ensina-nos a

pedir ao Criador, não é, pois, apenas o alimento destinado à

mantença de nosso corpo físico, mas tudo quanto seja

indispensável ao crescimento e perfectibilidade de nossa

consciência espiritual, o que vale dizer, à realização do Reino dos

Céus dentro de nós.

Devendo conhecer, individualmente, o que é o bem, para

cultivá-lo, assim como as consequências do mal, para evitá-lo;

tendo, igualmente, de passar por toda espécie de experiências,

provando, alternativamente, a alegria e a tristeza, a opulência e a

miséria, a saúde e a enfermidade, o poder e a subordinação,

porquanto só assim nos será possível formar um caráter reto e

justo, cumpre-nos aceitar, de bom grado, com largueza de ânimo,

o que a vida, como expressão da Providência, nos reserve, visto

que, em última análise, tudo, o sofrimento inclusive, concorre para

que nos enriqueçamos em saber e moralidade, e nos aproximemos,

cada vez mais, daquele “estado de varão perfeito, segundo o

padrão do Cristo”, a que se refere o apóstolo Paulo.
(Efésios,

4:13.
)

Assim, quando suceder que, apesar de nossa diligência e

operosidade, não consigamos escapar à pobreza, aceitemo-la sem

revolta, como justa expiação de faltas cometidas em existências

anteriores, ou como uma prova a mais no processo de burilamento

de nossas almas, convictos de que, sendo Deus infinitamente justo

e bom, não nos imporia uma vida de privações se isso não fosse

útil ao nosso adiantamento espiritual.

Jamais invejemos aqueles que possuem em abundância, que

navegam na prosperidade; tampouco os amaldiçoemos se se

esquecem da lei da solidariedade que deve unir todos os homens,

como nos ensina o Evangelho.

Curta é a existência corporal e efêmeros os gozos que ela

proporciona.
Mais vale, portanto, sofrer resignadamente uma sorte

madrasta na Terra, e depois experimentar grandes alegrias no

mundo espiritual, do que levarmos, aqui, uma vida nababesca,

mas vazia de amor ao próximo, e acordarmos, depois, no Além,

abrasados de remorsos.

Por outro lado, quando a fortuna nos sorria, não nos

esqueçamos de repartir pelo menos o supérfluo com aqueles que,

impossibilitados de prover à própria subsistência, pela velhice ou

pela doença, vejam-se obrigados a estender a mão à caridade

pública, tremendo de vergonha e de fome.

Guardemo-nos ainda de, no ganho do “pão nosso”, avançarmos

também no pão de outrem.
Que, ao adquiri-lo para nós, não

obremos com injustiça, de modo a termos em demasia, enquanto

a outros falte o mínimo suficiente.

Compenetremo-nos, finalmente, de que é legítimo e muito

natural almejarmos, para nós e os nossos entes queridos, uma

situação de conforto e bem-estar; bom é, todavia, não olvidarmos

aquela sábia resposta do Mestre, dada ao tentador: “Não só de pão

vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

(Mateus, 4:4.
)

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