O PAI-NOSSO III – Rodolfo Calligaris – O Sermão da Montanha 0/5 (1)

“Seja feita a vossa vontade, assim na terra como nos Céus.


É opinião geral, aliás baseada nos ensinos da Teologia

tradicional, seja possível, tanto aos anjos como aos homens,

deixarem de cumprir a vontade de Deus.

Citam-se, como argumentos em prol dessa tese, as

conhecidíssimas histórias da “rebelião celeste” e da “queda do

homem”.
Aquela, de origem ignorada; esta, uma alegoria do

Gênesis cujo sentido exato poucos hão sabido interpretar.

Arrazoam que é da vontade de Deus que todos se submetam

aos seus planos, condição sine qua non para ganharem o Reino

celestial, mas, como Ele respeita a liberdade de cada um, muitas

de suas criaturas podem, de fato, negar-lhe obediência, embora

isso lhes custe a cristalização no mal e a perdição eterna.

Se verdadeira fosse tal doutrina, se pudesse haver alguém capaz

de furtar-se, por todo o sempre, ao cumprimento da vontade

divina, então Deus não seria onisciente nem onipotente, e, sem

esses atributos, não seria realmente Deus.

Raciocinem conosco os que imaginam permita Deus que

muitos de seus filhos se percam, apenas para não lhes contrariar o

livre-arbítrio.

É notório que grande parte das crianças não gosta de ir à escola

e menos ainda de ir ao dentista.
Pois bem, qual o pai consciente

que, a pretexto de respeitar os sentimentos dos filhos, deixa que

se mantenham analfabetos ou que percam os dentes por falta de

tratamento?

Sem dúvida, procurará primeiro persuadi-los da necessidade de

uma coisa e outra, o que, com um pouco de paciência e de talento,

facilmente se consegue.
Suposto, porém, o contrário, recorrerá à

energia, mas fará, de qualquer modo, que suas determinações

sejam cumpridas, não apenas para salvaguardar o princípio de

autoridade que precisa existir entre o pai e os filhos, mas para o

bem deles mesmos, o que será reconhecido mais tarde.

Ora, Deus é infinitamente mais inteligente que o mais sábio dos

homens e, pois, sabe quando e como agir com relação a cada um

de nós, a fim de obter nossa adesão espontânea aos seus amoráveis

desígnios.

É certo, sim, que gozamos de relativa liberdade para fazer o

bem ou o mal, que podemos aproveitar ou não as oportunidades

que a Providência nos enseja para o aperfeiçoamento de nossas

almas; isso, porém, temporariamente, devido à longanimidade do

Pai, nunca em caráter definitivo, irreversível.

A razão é bem simples.
É que as infrações às Leis Divinas, por

mais leves que sejam, trazem sempre funestas consequências;

qualquer desvio do caminho reto conduz, fatalmente, ao

sofrimento, o que vale dizer: ninguém será feliz enquanto não for

bom.

À vista disso, não havendo quem pudesse comprazer-se em ser

eternamente desgraçado, pois isso seria uma aberração, todos, um

dia, hão de buscar a felicidade pela prática do bem, ou seja,

“cumprindo a vontade de Deus”.

Lógico, pois não?

Nossa opção, portanto, não consiste em cumprir ou não cumprir

a vontade de Deus, pois ela sempre se cumpriu e jamais deixará

de ser cumprida.
A alternativa é cumpri-la com alegria e boa

vontade, como o é nos mundos mais adiantados do que o nosso,

onde as almas cristificadas têm, na submissão às santíssimas Leis

de Deus, a fonte da bem- aventurança de que gozam; ou cumprila

dolorosamente, por via de expiações adequadas e proporcionais

às nossas faltas, como acontece toda vez que, no comprazimento

de nossos caprichos e na satisfação de nossos desejos, tentamos

contrariar ou burlar essas mesmas Leis.

Em nossa tremenda ignorância, não sabendo, ainda, o que mais

nos convenha, o que melhor corresponda às necessidades de nossa

edificação espiritual, rogamos, muitas vezes, exatamente aquilo

em que iremos tropeçar, com retardamento de nossa marcha

evolutiva.

Por isso, ó Deus, ilumina nossa consciência para que

percebamos qual a tua vontade a nosso respeito: dá-nos forças

para que sejamos capazes de cumpri-la fielmente, sem murmurar

nem recalcitrar, e ajuda-nos a harmonizar o nosso querer humano,

egoístico quase sempre, aos teus altos desígnios, pois só assim

haveremos de encontrar um dia a verdadeira felicidade, podendo,

então, repetir com o salmista: “Eu amo a tua lei, Senhor, e os teus

preceitos são a minha delícia”.

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