“Seja feita a vossa vontade, assim na terra como nos Céus.
”
É opinião geral, aliás baseada nos ensinos da Teologia
tradicional, seja possível, tanto aos anjos como aos homens,
deixarem de cumprir a vontade de Deus.
Citam-se, como argumentos em prol dessa tese, as
conhecidíssimas histórias da “rebelião celeste” e da “queda do
homem”.
Aquela, de origem ignorada; esta, uma alegoria do
Gênesis cujo sentido exato poucos hão sabido interpretar.
Arrazoam que é da vontade de Deus que todos se submetam
aos seus planos, condição sine qua non para ganharem o Reino
celestial, mas, como Ele respeita a liberdade de cada um, muitas
de suas criaturas podem, de fato, negar-lhe obediência, embora
isso lhes custe a cristalização no mal e a perdição eterna.
Se verdadeira fosse tal doutrina, se pudesse haver alguém capaz
de furtar-se, por todo o sempre, ao cumprimento da vontade
divina, então Deus não seria onisciente nem onipotente, e, sem
esses atributos, não seria realmente Deus.
Raciocinem conosco os que imaginam permita Deus que
muitos de seus filhos se percam, apenas para não lhes contrariar o
livre-arbítrio.
É notório que grande parte das crianças não gosta de ir à escola
e menos ainda de ir ao dentista.
Pois bem, qual o pai consciente
que, a pretexto de respeitar os sentimentos dos filhos, deixa que
se mantenham analfabetos ou que percam os dentes por falta de
tratamento?
Sem dúvida, procurará primeiro persuadi-los da necessidade de
uma coisa e outra, o que, com um pouco de paciência e de talento,
facilmente se consegue.
Suposto, porém, o contrário, recorrerá à
energia, mas fará, de qualquer modo, que suas determinações
sejam cumpridas, não apenas para salvaguardar o princípio de
autoridade que precisa existir entre o pai e os filhos, mas para o
bem deles mesmos, o que será reconhecido mais tarde.
Ora, Deus é infinitamente mais inteligente que o mais sábio dos
homens e, pois, sabe quando e como agir com relação a cada um
de nós, a fim de obter nossa adesão espontânea aos seus amoráveis
desígnios.
É certo, sim, que gozamos de relativa liberdade para fazer o
bem ou o mal, que podemos aproveitar ou não as oportunidades
que a Providência nos enseja para o aperfeiçoamento de nossas
almas; isso, porém, temporariamente, devido à longanimidade do
Pai, nunca em caráter definitivo, irreversível.
A razão é bem simples.
É que as infrações às Leis Divinas, por
mais leves que sejam, trazem sempre funestas consequências;
qualquer desvio do caminho reto conduz, fatalmente, ao
sofrimento, o que vale dizer: ninguém será feliz enquanto não for
bom.
À vista disso, não havendo quem pudesse comprazer-se em ser
eternamente desgraçado, pois isso seria uma aberração, todos, um
dia, hão de buscar a felicidade pela prática do bem, ou seja,
“cumprindo a vontade de Deus”.
Lógico, pois não?
Nossa opção, portanto, não consiste em cumprir ou não cumprir
a vontade de Deus, pois ela sempre se cumpriu e jamais deixará
de ser cumprida.
A alternativa é cumpri-la com alegria e boa
vontade, como o é nos mundos mais adiantados do que o nosso,
onde as almas cristificadas têm, na submissão às santíssimas Leis
de Deus, a fonte da bem- aventurança de que gozam; ou cumprila
dolorosamente, por via de expiações adequadas e proporcionais
às nossas faltas, como acontece toda vez que, no comprazimento
de nossos caprichos e na satisfação de nossos desejos, tentamos
contrariar ou burlar essas mesmas Leis.
Em nossa tremenda ignorância, não sabendo, ainda, o que mais
nos convenha, o que melhor corresponda às necessidades de nossa
edificação espiritual, rogamos, muitas vezes, exatamente aquilo
em que iremos tropeçar, com retardamento de nossa marcha
evolutiva.
Por isso, ó Deus, ilumina nossa consciência para que
percebamos qual a tua vontade a nosso respeito: dá-nos forças
para que sejamos capazes de cumpri-la fielmente, sem murmurar
nem recalcitrar, e ajuda-nos a harmonizar o nosso querer humano,
egoístico quase sempre, aos teus altos desígnios, pois só assim
haveremos de encontrar um dia a verdadeira felicidade, podendo,
então, repetir com o salmista: “Eu amo a tua lei, Senhor, e os teus
preceitos são a minha delícia”.