Livro: Amor Imbatível Amor: Capítulo 38-RECUPERAÇÃO DA IDENTIDADE


A identidade é conquista valiosa do ser, através da qual se afirma e se caracteriza no grupo social, de for­ma a existir conscientemente. Não se trata de uma he­rança psicológica, mas de um desenvolvimento gradu­al que se inicia no momento em que nasce, e se mani­festa através do primeiro choro, que lhe expressa des­conforto de qualquer natureza. Logo seja atendido, volta a silenciar, demonstrando que o motivo desagra­dável cessou. Muitas vezes, são a falta do corpo mater­no, o frio ou o calor, a fome ou a dor, que se apresen­tam, produzindo a sensação desagradável e chamando a atenção para si.
Na juventude como na idade adulta, revela-se pelo conhecimento da sua realidade, por imperiosa necessi­dade de estar consciente e de enfrentar com segurança as situações mais variadas possíveis. Nessa fase, a ex­periência emocional é quase sem sentido e os sentimen­tos se apresentam confusos, sem direcionamento, ca­racterizando a ausência de identidade. É certo que, no inconsciente, de alguma forma, todos possuem uma identidade. No entanto, vários fatores adstritos ao Eu profundo, podem apresentar-se como ausência da mes­ma, especialmente quando trazido o conflito de reen­carnação anterior.
Nesse caso, a partir do renascimento carnal, à me­dida que a identidade for sendo formada, o desenvol­vimento do ego não se faz normalmente com expres­são saudável.
Há três fatores que contribuem para um bom e bem direcionado senso de identidade: percepção do desejo, reconhecimento da necessidade e consciência da sen­sação corporal.
Experimentar desejos e saber direcioná-los é de suma importância, no balizamento da identidade, por­que para um paciente que não os possua, difícil se tor­na distinguir exatamente o que quer, exclamando, no seu conflito, que não o sabe, que nada sente, nem mes­mo o de que necessita, por mais importante seja. Há uma espécie de vácuo emocional, com anulação da ca­pacidade de querer. Quando isso não se dá, mascara as aspirações e entrega-se a sensações e buscas que não correspondem às suas necessidades reais.
O reconhecimento da necessidade resulta numa bem urdida busca de solução, em bom encaminhamen­to para alcançar o que deseja. Faculta-lhe distinguir as próprias emoções de tristeza, de alegria, de aborreci­mento ou de afetividade. Invariavelmente, esses senti­mentos ficam bloqueados na ausência do senso da iden­tidade, tornando o paciente um autômato desmotiva­do de novas e constantes realizações, bastando-se com o conseguido, sem a experiência do prazer dinamiza­dor de conquistas desafiadoras.
A consciência da sensação física é adquirida a partir do momento do parto, quando se expressam por automatismos as primeiras necessidades, afir­mando, através do choro, a realidade existencial e a sua presença como ser consciente. No entanto, essa ocorrência dá-se fora do limite da consciência, em estado ainda embrionário, incapaz de realmente dis­tinguir, porqüanto as suas funções seletivas se irão desenvolver a pouco e pouco, tornando-se pujantes e ativas.
À medida que vai crescendo, as sensações cor­porais se tornam mais imperiosas, como é natural, graças também, às necessidades mais volumosas e aos desejos mais característicos, terminando num estado de lucidez mais profunda, a exteriorizar-se por sentimentos mais definidos. Essa é a marcha natural da aquisição do senso de identidade. E quan­do assim não ocorre, desaparece a motivação para o crescimento interior, a valorização do corpo e da oportunidade da vida, necessitando de terapia con­veniente, a fim de ser adquirido.
Esse ego fracionado, enfermo, não conseguiu o desenvolvimento harmônico, que é viável quando a percepção e a sensação se unem ao sentimento numa proposta de integração.
É muito comum, no relacionamento psicológico, a aparência de identidade, mediante representações de papéis que agradam ao ego. No início houve a família que participou da exibição em cena, quando a criança exteriorizava aparência imitando o conhe­cido, que lhe chegava ao alcance, o que era percebi­do pelos sentidos. À medida que cresce, torna-se necessária outra audiência, mudando-se de cenário mas não de conteúdo. E como é natural, em qualquer representação o tédio termina por predominar, ao tempo em que surgem os desencantos, face à ausência de autenticidade. Após as decepções, bus­cam-se novas personagens e novos auditórios.
Quando essa situação se faz presente nos relaci­onamentos mais próximos, entre cônjuges, familia­res, a representação perde o seu caráter de impres­sionar, assumindo a postura de uma farsa que não convence e mui facilmente se desvanece. Ocorre que, naqueles que estão sempre representando, existe um imenso vazio existencial, e, por falta de objetivo, um desespero que arde interiormente, não permitindo tranqüilidade.
A representação gera uma distorção na área da autopercepção, porque somente são captadas as si­tuações e experiências mais próximas do ato, o que evita uma boa formulação de respostas aos desafios existenciais.
O indivíduo, nessa situação, acredita no valor da sua identidade confusa, fugindo para as fatalida­des do destino, com que se compensa, informando que tudo quanto lhe ocorre desastrosamente é resul­tado da má sorte como do infortúnio. Entrega-se a queixas sistemáticas e descobre um mundo que se apresenta hostil, dificultando-lhe a marcha, a felici­dade.
É mais fácil a acusação do que a reparação, que o levaria à busca de solução terapêutica para o dis­túrbio e à vivência do amor, para ampliar a percep­ção de sua realidade.
A formação do senso de identidade é também recurso para a instalação do caráter. Quando não se possui uma faculdade, a outra se apresenta deficitária, em razão da ausência de parâmetros para defini-las no ser turbado e tedioso.
Para que contribua em favor da aquisição do senso de identidade, o paciente será conduzido à análise de que os seus atos não necessitam ser apro­vados sempre, conforme ocorria na infância, ter medo das repressões e reprovações sociais, porqüanto ele também é membro da sociedade, experimentar cul­pa a respeito do seu corpo, dos seus sentimentos de natureza sexual, tendo direito a apresentar também sentimentos negativos, sem que isso constitua sinal de vulgaridade ou de desajuste emocional.
Um senso de identidade normal transita entre os acertos e os erros, sem auto-exaltação nem auto-punição, enfrentando as situações como parte do pro­cesso evolutivo que todos encontram pelo caminho.
Ao identificar-se com a vida, experienciando as ocorrências com ambições bem direcionadas, o indi­víduo cresce psicologicamente, na razão direta em que desenvolve o corpo e a mente se amplia, ense­jando-lhe tirocínios corretos e impulsos estimulado­res para a existência.
A perda ou a ausência de identidade confunde e atormenta, deixando o paciente à mercê dos fenô­meno automáticos, pesando na economia da socie­dade, sem direcionamento nem significado.
O dever dos pais em relação aos filhos, na mol­dagem da identidade, é muito grave, porqüanto, de acordo com a conduta mantida, essa será plasmada dentro dos padrões vigentes no lar. As castrações e as inibições, os conflitos não superados e as necessi­dades emocionais não satisfeitas contribuem para o transtorno da identidade, gerando a necessidade da projeção do papel dos mesmos nas outras pessoas. A criança é um ser imitador por excelência, afinal, tudo quanto aprende decorre, na sua maioria, da capaci­dade de imitar, de memorizar, de reflexionar. Imitar faz parte do processo de desenvolvimento psicológi­co saudável. Todavia, adquirir a identidade do ou­tro, por que lhe foi plasmada, oferece uma situação patológica. Quando se imita, adquire-se capacidade de discernimento para saber-se que tal não passa de uma experiência, no entanto, quando se identifica e assimila, perde-se a liberdade de pensar e de agir, buscando sempre a fonte de ligação para prosseguir no desempenho do papel assumido.
A imitação ocorre em relação a tudo e a todos, enquanto que a identificação perturbadora é sempre fruto de pais exigentes, ameaçadores, que se tornam imagens dominantes na mente infantil. Para enfren­tá-los, o indivíduo se torna igualmente insensível, às vezes cruel, adquirindo essas características pertur­badoras que foram incorporadas ao seu comporta­mento. Essa ocorrência pode ser inconsciente, graças ao que, nada pode ser produzido em favor do equi­líbrio pelo próprio paciente, levando-o a vivenciar experiências que se transmudam em necessidades dos outros.

Joana de Ângelis – Psicografado por Divaldo franco

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