A identidade é conquista valiosa do ser, através da qual se afirma e se caracteriza no grupo social, de forma a existir conscientemente. Não se trata de uma herança psicológica, mas de um desenvolvimento gradual que se inicia no momento em que nasce, e se manifesta através do primeiro choro, que lhe expressa desconforto de qualquer natureza. Logo seja atendido, volta a silenciar, demonstrando que o motivo desagradável cessou. Muitas vezes, são a falta do corpo materno, o frio ou o calor, a fome ou a dor, que se apresentam, produzindo a sensação desagradável e chamando a atenção para si.
Na juventude como na idade adulta, revela-se pelo conhecimento da sua realidade, por imperiosa necessidade de estar consciente e de enfrentar com segurança as situações mais variadas possíveis. Nessa fase, a experiência emocional é quase sem sentido e os sentimentos se apresentam confusos, sem direcionamento, caracterizando a ausência de identidade. É certo que, no inconsciente, de alguma forma, todos possuem uma identidade. No entanto, vários fatores adstritos ao Eu profundo, podem apresentar-se como ausência da mesma, especialmente quando trazido o conflito de reencarnação anterior.
Nesse caso, a partir do renascimento carnal, à medida que a identidade for sendo formada, o desenvolvimento do ego não se faz normalmente com expressão saudável.
Há três fatores que contribuem para um bom e bem direcionado senso de identidade: percepção do desejo, reconhecimento da necessidade e consciência da sensação corporal.
Experimentar desejos e saber direcioná-los é de suma importância, no balizamento da identidade, porque para um paciente que não os possua, difícil se torna distinguir exatamente o que quer, exclamando, no seu conflito, que não o sabe, que nada sente, nem mesmo o de que necessita, por mais importante seja. Há uma espécie de vácuo emocional, com anulação da capacidade de querer. Quando isso não se dá, mascara as aspirações e entrega-se a sensações e buscas que não correspondem às suas necessidades reais.
O reconhecimento da necessidade resulta numa bem urdida busca de solução, em bom encaminhamento para alcançar o que deseja. Faculta-lhe distinguir as próprias emoções de tristeza, de alegria, de aborrecimento ou de afetividade. Invariavelmente, esses sentimentos ficam bloqueados na ausência do senso da identidade, tornando o paciente um autômato desmotivado de novas e constantes realizações, bastando-se com o conseguido, sem a experiência do prazer dinamizador de conquistas desafiadoras.
A consciência da sensação física é adquirida a partir do momento do parto, quando se expressam por automatismos as primeiras necessidades, afirmando, através do choro, a realidade existencial e a sua presença como ser consciente. No entanto, essa ocorrência dá-se fora do limite da consciência, em estado ainda embrionário, incapaz de realmente distinguir, porqüanto as suas funções seletivas se irão desenvolver a pouco e pouco, tornando-se pujantes e ativas.
À medida que vai crescendo, as sensações corporais se tornam mais imperiosas, como é natural, graças também, às necessidades mais volumosas e aos desejos mais característicos, terminando num estado de lucidez mais profunda, a exteriorizar-se por sentimentos mais definidos. Essa é a marcha natural da aquisição do senso de identidade. E quando assim não ocorre, desaparece a motivação para o crescimento interior, a valorização do corpo e da oportunidade da vida, necessitando de terapia conveniente, a fim de ser adquirido.
Esse ego fracionado, enfermo, não conseguiu o desenvolvimento harmônico, que é viável quando a percepção e a sensação se unem ao sentimento numa proposta de integração.
É muito comum, no relacionamento psicológico, a aparência de identidade, mediante representações de papéis que agradam ao ego. No início houve a família que participou da exibição em cena, quando a criança exteriorizava aparência imitando o conhecido, que lhe chegava ao alcance, o que era percebido pelos sentidos. À medida que cresce, torna-se necessária outra audiência, mudando-se de cenário mas não de conteúdo. E como é natural, em qualquer representação o tédio termina por predominar, ao tempo em que surgem os desencantos, face à ausência de autenticidade. Após as decepções, buscam-se novas personagens e novos auditórios.
Quando essa situação se faz presente nos relacionamentos mais próximos, entre cônjuges, familiares, a representação perde o seu caráter de impressionar, assumindo a postura de uma farsa que não convence e mui facilmente se desvanece. Ocorre que, naqueles que estão sempre representando, existe um imenso vazio existencial, e, por falta de objetivo, um desespero que arde interiormente, não permitindo tranqüilidade.
A representação gera uma distorção na área da autopercepção, porque somente são captadas as situações e experiências mais próximas do ato, o que evita uma boa formulação de respostas aos desafios existenciais.
O indivíduo, nessa situação, acredita no valor da sua identidade confusa, fugindo para as fatalidades do destino, com que se compensa, informando que tudo quanto lhe ocorre desastrosamente é resultado da má sorte como do infortúnio. Entrega-se a queixas sistemáticas e descobre um mundo que se apresenta hostil, dificultando-lhe a marcha, a felicidade.
É mais fácil a acusação do que a reparação, que o levaria à busca de solução terapêutica para o distúrbio e à vivência do amor, para ampliar a percepção de sua realidade.
A formação do senso de identidade é também recurso para a instalação do caráter. Quando não se possui uma faculdade, a outra se apresenta deficitária, em razão da ausência de parâmetros para defini-las no ser turbado e tedioso.
Para que contribua em favor da aquisição do senso de identidade, o paciente será conduzido à análise de que os seus atos não necessitam ser aprovados sempre, conforme ocorria na infância, ter medo das repressões e reprovações sociais, porqüanto ele também é membro da sociedade, experimentar culpa a respeito do seu corpo, dos seus sentimentos de natureza sexual, tendo direito a apresentar também sentimentos negativos, sem que isso constitua sinal de vulgaridade ou de desajuste emocional.
Um senso de identidade normal transita entre os acertos e os erros, sem auto-exaltação nem auto-punição, enfrentando as situações como parte do processo evolutivo que todos encontram pelo caminho.
Ao identificar-se com a vida, experienciando as ocorrências com ambições bem direcionadas, o indivíduo cresce psicologicamente, na razão direta em que desenvolve o corpo e a mente se amplia, ensejando-lhe tirocínios corretos e impulsos estimuladores para a existência.
A perda ou a ausência de identidade confunde e atormenta, deixando o paciente à mercê dos fenômeno automáticos, pesando na economia da sociedade, sem direcionamento nem significado.
O dever dos pais em relação aos filhos, na moldagem da identidade, é muito grave, porqüanto, de acordo com a conduta mantida, essa será plasmada dentro dos padrões vigentes no lar. As castrações e as inibições, os conflitos não superados e as necessidades emocionais não satisfeitas contribuem para o transtorno da identidade, gerando a necessidade da projeção do papel dos mesmos nas outras pessoas. A criança é um ser imitador por excelência, afinal, tudo quanto aprende decorre, na sua maioria, da capacidade de imitar, de memorizar, de reflexionar. Imitar faz parte do processo de desenvolvimento psicológico saudável. Todavia, adquirir a identidade do outro, por que lhe foi plasmada, oferece uma situação patológica. Quando se imita, adquire-se capacidade de discernimento para saber-se que tal não passa de uma experiência, no entanto, quando se identifica e assimila, perde-se a liberdade de pensar e de agir, buscando sempre a fonte de ligação para prosseguir no desempenho do papel assumido.
A imitação ocorre em relação a tudo e a todos, enquanto que a identificação perturbadora é sempre fruto de pais exigentes, ameaçadores, que se tornam imagens dominantes na mente infantil. Para enfrentá-los, o indivíduo se torna igualmente insensível, às vezes cruel, adquirindo essas características perturbadoras que foram incorporadas ao seu comportamento. Essa ocorrência pode ser inconsciente, graças ao que, nada pode ser produzido em favor do equilíbrio pelo próprio paciente, levando-o a vivenciar experiências que se transmudam em necessidades dos outros.
Joana de Ângelis – Psicografado por Divaldo franco