Agostinho de Hipona

Escrito por Washington Nogueira Fernandes

Santo

Agostinho de Hipona

Entre os principais pensadores cristãos da Idade Média, sem dúvida Santo Agostinho se destaca como um dos mais importantes.

Isto se mede não só pelo número de suas comunicações, constantes na codificação espírita e na Revista Espírita, cerca de 34, mas principalmente pelo seu conteúdo e significado, que traduzem a superior sabedoria de um Ser verdadeiramente cristão.

Lembramos que ao utilizarmos o designativo de Santo, próprio de algumas religiões dogmáticas, o fizemos somente para tornar o retratado melhor conhecido, distinguindo de homônimos, conforme bem esclareceu sobre isso Allan Kardec, na Revista Espírita (Ed. Edicel) de 1866, no mês de julho. Naturalmente, seria um absurdo pretender fazer um paralelo entre o pensamento de um homem que, nascido na África em 354, isto é, em plena passagem da antigüidade para a idade média, e o pensamento deste mesmo espírito, que transmitiu comunicações na Europa, depois de mil e quinhentos anos. De qualquer forma, valem fazer alguns comentários, a título de curiosidade, para conhecer um pouco mais de um espírito superior.

 

Alguns traços biográficos

Agostinho de Hipona (13/11/354-28/8/430), filho de Patrício, pagão, depois convertido ao Cristianismo, e Mônica, verdadeira cristã, nasceu em Tagasta, Numídia (antiga região do norte da África, atual Argélia). Estudou em Tagasta e Cartago, onde professou por nove anos o dualismo maniqueu. Maniqueísmo foi a doutrina fundada por Manes, no séc. 3, na Pérsia, e segundo a qual o universo era dominado por dois princípios que se combatiam, o bem absoluto de Deus, e o mal absoluto, ou diabo.

Acabados os estudos superiores, foi para Milão, como mestre de retórica. Teve um irmão chamado Navigio, e uma irmã chamada Perpétua. Aos 19 anos, ligou-se a uma mulher, com quem teve o filho Adeodato, algum tempo depois se separou, se unindo depois a outra concubina, com a qual viveu também algum tempo, mas ficando sempre ligado a Adeodato. Seus principais amigos foram Alipio, Romaniano e Honorato. Foi a leitura de Hortensius, de Cícero (106-43 a.C.), que o despertou para a filosofia. Sentindo um ardor religioso, afastou-se do ensino e, convertido ao cristianismo, voltou para a África, distribuiu seus bens, ordenou-se sacerdote, e sagrou-se depois bispo de Hipona (antiga cidade da Numídia).

O filósofo e teólogo Santo Agostinho foi um pensador cristão bastante fecundo, pois produziu cerca de 300 cartas, 400 sermões e 93 obras. Para defender o pensamento do Cristo, o promovia intensamente por suas cartas e homilías, através do método da auto reflexão, como também preocupou-se bastante com a justificação da revelação em geral, e no combate das chamadas heresias da época. Para isso, foi partidário da Patrística, que praticamente representava o pensamento cristão predominante do século II ao VIII, a ela devendo-se a construção da teologia e da dogmática católica. Esse nome Patrística decorre da circunstância de ser ela o pensamento dos Pais da Igreja, e teve suas fases antes e depois do pensamento agostiniano.

Na área filosófica, para Agostinho, a Filosofia era a grande solucionadora do problema da vida, e os sentidos e o intelecto eram as fontes do conhecimento. Ele queria encontrar uma base racional para a fé cristã. Em suas bem conhecidas obras, A Cidade de Deus (413-427) e As Confissões (397), seu pensamento está centrado em duas idéias principais: Deus e o destino do homem, onde procurou acima de tudo demonstrar, metafisicamente, a existência de Deus, provada a priori, e cuja natureza era de um poder racional infinito, eterno, imutável, espírito, pessoa. Deus, na criação originária e simultânea das coisas, algumas delas as teria feito completamente realizadas, e outras teria criado apenas as causas necessárias para produzi-las, predispondo-as a que dessem origem às outras coisas, através de seu desenvolvimento.

No problema ético, condenou todo prazer sensível e das paixões, por meio da célebre doutrina das duas cidades: a cidade de Deus, fundada no amor de Deus, e a cidade terrena (o Estado), fundada no amor de si e no egoísmo. Em sua Cosmologia, criou a doutrina da rationes seminales – germes racionais –, e recorreu à filosofia de Platão, obtendo uma visão chamada de platonismo cristão. Inobstante ser ele, sem dúvida, um verdadeiro cristão, foi partidário de alguns dogmas religiosos, compatíveis com o desenvolvimento do cristianismo de sua época, e por isso, em suas obras, se encontram as idéias do pecado original, a redenção pela cruz, isto é, pela revelação, os sacramentos, que segundo ele eram necessários à salvação e obra de Deus. Compreende-se que era o século 4, e suas crenças eram compatíveis com sua época.

 

A riqueza de seus princípios

Os primórdios de sua espiritualidade ocorreram entre 393 e 394. Acima de tudo, devemos destacar que Agostinho foi uma das primeiras criaturas a comentar O Sermão da Montanha, sendo esta uma de suas obras, lembrando que este importante sermão de Jesus, por tão bem retratar os ensinamentos cristãos, foi incluído por Allan Kardec em grande parte de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tomás de Aquino (1225-1274), outro dos principais teólogos, incluiu este trabalho em sua Summa Teológica, evidenciando a sabedoria que representa. Nesta valiosa obra, que foi publicada no Brasil pela Ed. Paulinas, em meio a alguns pontos dogmáticos, Agostinho teve oportunidade de comentar que pobres de espírito eram os humildes, ressaltou a importância de vencer o mal com o bem, falou da porta estreita, da importância da oração, da necessidade do perdão, falou de deus e Mamon, dos falsos profetas, que seriam aqueles que prometem a sabedoria que não possuem, falou da casa sobre a rocha, da esmola em segredo, da trave no olho etc, chegando um momento em que parece, muitas vezes, que estamos lendo o Evangelho Segundo o Espiritismo, tal a semelhança de abordagem.

Outras duas importantes obras suas, citadas aqui a título de curiosidade, são o Cuidado devido aos Mortos e Imortalidade da Alma. O tema da imortalidade o incomodava, e ele se reconhecia incapaz de decifrar sua origem, julgando-se inapto a resolver esse enigma. Com relação ao tema dos mortos, redigido pelo ano de 421, ele admitia suas manifestações, mas somente pelo poder de Deus, estando em um lugar de onde nada viam. Sem dúvida, Agostinho desempenhou relevante papel para o desenvolvimento das idéias cristãs, um pouco mais de três séculos após seu advento, penetrando muitas vezes na essência do ideal de Jesus, evidenciando que era um espírito de escol, desempenhando importante tarefa.

 

As comunicações mediúnicas de Santo Agostinho

Como espírito desencarnado, sua importância pode ser avaliada nas cerca de 16 comunicações que foram inseridas na codificação espírita, e cerca de 18 que constam na Revista Espírita. Em boa parte delas, o sr. E. Vézy, que era médium da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, foi o intermediário, e Agostinho repetiu algumas vezes os temas que desenvolveu a quase 1500 anos antes, como por exemplo a oração, em sua famosa resposta de O Livro dos Espíritos, questão 919, onde ele recomenda, para a prece e o autoconhecimento, que fizessem como ele fazia quando encarnado na Terra quando, ao fim de cada dia, repassava todos os seus atos, avaliando erros e acertos. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ele fala da felicidade que a prece proporciona (ESE, Cap. 27, 23), e na Revista Espírita (Ed. Edicel), de 1862, pág. 249, ele voltou a enfatizar o Valor da Prece. A oração, e a necessidade do autoconhecimento, continuavam a ser os mesmos importantes temas de suas reflexões, depois de quase mil e quinhentos anos, e certamente o serão sempre.

Na Revista Espírita de 1864, pág. 365, ele falou sobre os mortos, tema que também desenvolvera no passado, agora clareado pelas luzes da Terceira Revelação. Mas ele destacou também temas mais atuais, como a dos Anjos Guardiães (LE – 495), destacando o encanto e doçura desta doutrina, o das Penas Eternas (LE, 1009), totalmente rechaçadas pelo bom senso e a razão, fala da missão dos Bons Espíritos (LE, Conclusão), da importância da caridade (LM, Cap XXXI, I), dos vários tipos diferentes de mundos (ESE, Cap. 3, 16 a 18), do Mal e o Remédio (ESE, Cap. 5, 19), do Duelo (ESE, Cap. 12, 12), da A Ingratidão dos Filhos e os Laços de Família (ESE, Cap. 14, 4).

Na Revista Espírita, sua temática foram os Milagres (RE, 1862/43), demonstrando que eles não passam de nossa insuficiência de conhecimentos, deu uma mensagem de bom ânimo aos espíritas de constantina, que o escolheram como guia espiritual, falou das Férias (RE,1862/283), do Verdadeiro Espírito das Tradições, nas escrituras sagradas (RE, 1863/354), e da importância do Trabalho (Re, 1866/186) em nossa vida. Enfim, este espírito, cuja superioridade se demonstra não só em sua vida e obra como encarnado, como também pelas suas comunicações mediúnicas, na Doutrina Espírita, se constitui num grande soldado pela Causa do Cristo na Terra, a servir de modelo para todos nós.

 

 

 

Artigo publicado na edição 06 da Revista Cristã de Espiritismo.

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