O “PAI NOSSO” II – Rodolfo Calligaris – O Sermão da Montanha 5/5 (1)

“Venha a nós o vosso reino.


Que devemos entender por “Reino de Deus” (ou “Reino dos

céus”)?

Em mais de uma dezena de parábolas, todas elas muito

engenhosas e edificantes, Jesus focaliza os diversos aspectos que

o caracterizam.
Eis algumas delas: a do semeador, do joio e do

trigo, do grão de mostarda, do fermento, do tesouro escondido, da

pérola, da rede, do credor incompassivo, dos trabalhadores e as

diversas horas do trabalho, dos dois filhos, dos lavradores maus,

das bodas, das virgens etc.

Um exame atento dessas parábolas deixa patente que “o Reino

de Deus” não é propriamente um “lugar” de delícias, nem uma

organização cujos membros se identifiquem por uma determinada

fé, mas algo que se verifica no íntimo de nós mesmos: a evolução,

o aperfeiçoamento de nossas almas.

Segundo o apóstolo Paulo, “o Reino de Deus não é comida,

nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”

(consciência).
(Romanos, 14:17.
)

Que precisamos fazer para nos tornarmos súditos desse Reino?

Isso também foi explanado pelo Mestre com a máxima clareza,

constituindo mesmo a ideia central de seus ensinos.
Sirvam-nos

de exemplo, entre inúmeros outros, os seguintes passos

evangélicos: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no

Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai”.

(Mateus, 7:21.
) — “Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino

que vos está preparado desde o princípio do mundo; porque tive

fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era

hóspede, e me recolhestes; estava nu, e me cobristes; estava

enfermo, e me visitastes; estava no cárcere, e viestes ver-me.
.
.
Na

verdade vos digo que, quantas vezes fizestes isto a um destes meus

irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes.
” (Mateus, 25:34

a 36, 40.
) — “E eis que se levantou um doutor da lei e disse, para

o tentar: Mestre, que hei de fazer para entrar na posse da vida

eterna? Disse-lhe então Jesus: Que é o que está escrito na lei?

Como a lês tu? Ele, respondendo, disse: Amarás o Senhor teu

Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas

forças, de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti

mesmo.
E Jesus lhe disse: Respondeste bem; faze isso e viverás.


(Lucas, 10:25 a 28.
)

Diante de textos tão cristalinos, parece não subsistir a menor

dúvida de que nossa entrada no Reino de Deus depende, não da

simples aceitação de uns tantos dogmas religiosos, nem da

submissão a este ou àquele sacramento, mas tão somente de

possuirmos aquelas qualidades morais que exornam o homem

justo e bom.

Quando se estabelecerá entre nós esse Reino?

Tal pergunta, igualmente, fora feita certa vez pelos fariseus, e

a ela o Mestre deu a seguinte resposta, breve, mas profunda: “O

Reino de Deus não virá com aparência exterior, nem dirão: ei-lo

aqui, ou ei-lo acolá; o Reino de Deus está dentro de vós”.
(Lucas,

17:20 e 21.
)

Meditemos bem nestas palavras: “O Reino de Deus está dentro

de vós!”.
Não se trata, portanto, de um evento futuro, remoto,

como muitos o imaginam, mas de um fato atual, presente.

Com efeito, se nossa alma é “imagem e semelhança de Deus”,

como diz o Gênesis; se fomos gerados, não da carne, nem da

vontade do varão, “mas de Deus”, como nos afirma João, o

evangelista; se “dele (Deus), por Ele e nele existem todas as

coisas”, como nos revela Paulo, esse Reino, inquestionavelmente,

está dentro de nós, se bem que em estado latente, à semelhança da

planta contida em potencial na semente.

Enquanto o homem ignora a natureza divina de sua alma e vai

vivendo egoisticamente, embora o Reino de Deus esteja nele, ele

não está no Reino de Deus e daí a sua inquietação e seus

sofrimentos.
Quando, porém, faz essa preciosa descoberta e passa

a esforçar-se por desenvolver o seu Cristo interno, pautando os

atos de sua vida por aquele ideal sublime que consiste em “fazer

a vontade do Pai”, o Reino de Deus entra a desenvolver-se dentro

dele, cresce, expande-se, atinge a plenitude, e sua alma ganha

então uma paz, uma tranquilidade e uma alegria indescritíveis, que

nada, vindo de fora, é capaz de destruir.

Posto que o Reino de Deus, qual o havemos entendido, não

pode ser implantado na Terra sem que antes seja uma realidade

em cada ser humano que o habite, ajuda-nos, Senhor, a vencer

nossa ambição desmedida, nosso orgulho insensato, nossa

prepotência descaridosa, nossa vaidade tola, enfim, todos os

sentimentos malsãos que ainda nos mantêm desunidos, dispersos

e inimizados!

Dá, ó Pai, que cada um de nós compreenda o dever de cooperar

para a civilização universal, sem barreiras de espécie alguma, e

que todos sintamos o desejo de viver como irmãos, vinculados

pelo amor!

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