NÃO MATARÁS – Rodolfo Calligaris – O Sermão da Montanha

“Foi dito aos antigos: não matarás, pois quem quer que mate

estará sujeito a julgamento.
Eu, porém, vos digo: todo aquele que

se irar contra seu irmão merecerá condenado no juízo; quem

disser a seu irmão: raca, merecerá condenado ao fogo do

inferno.
” (Mateus, 5:21 e 22.
)

Nesse lanço, estendendo e aprofundando o conceito do “não

matarás”, Jesus condena veementemente todo e qualquer

sentimento inamistoso, quais a cólera, a arrogância, o desprezo e

quejandos, por serem antagônicos à lei do Amor que deve presidir

as relações dos homens entre si.

Até mesmo palavras menos corteses, como raca (indivíduo sem

valor) ou louco, mereceram-lhe a mais severa reprovação.

É porque certas expressões vocabulares, embora não encerrem

ofensa grave, quando proferidas desdenhosamente, de modo

malicioso ou com particular entonação, podem ferir

profundamente a suscetibilidade do próximo, provocar ódios e

rancores, e, não raro, ensejar revides e desforços violentos, de

funestas consequências.
Bom é, pois, que se corte o mal pela raiz.

Assim, pela doutrina cristã, não é só o homicídio propriamente

dito que constitui violação do sexto mandamento, mas também

uma “simples” palavra, desde que sirva para destruir as boas

coisas deste mundo: a amizade entre as pessoas, a harmonia de um

lar, a inocência de uma criança, o respeito pela reputação alheia,

a fé de uma alma crente, a esperança de um sofredor, o entusiasmo

por uma causa nobre etc.

Em contraposição aos ensinos do meigo Rabi da Galileia,

certos teólogos, arrogando- se um direito que ninguém lhes

conferiu: o de “corrigirem” uma suposta omissão divina, ao

fazerem a exegese do “não matarás”, ousam afirmar que não se

deve interpretar esse mandamento em sentido absoluto, admitindo

casos em que o assassínio se torna justificável, aconselhável até.

Adulterando, com sofismas, o texto escriturístico, vemos

sacerdotes benzerem espadas, canhões e outros instrumentos

mortíferos, e manifestarem-se publicamente a favor da pena

capital.

Infelizes! Como se justificarão perante Deus, por tais atentados

à sua Lei?

Há, também, quem suponha que o “não matarás” significa

apenas respeito à integridade do próximo e imagine lhe seja

permitido desfazer-se da própria vida, quando circunstâncias

amargas ou aflitivas a tornem pouco atrativa ou insuportável!

Laboram em erro, pois o suicídio é, sempre, uma violação do

sexto mandamento, ainda que se busquem os mais belos ou os

mais fortes motivos para justificá-lo.

Aliás, todo e qualquer dano à conservação da existência,

própria ou alheia, importa em falta grave, pela qual havemos de

responder.
Sim, porque entre todos os bens concedidos por Deus

ao homem, o maior deles, de mais subido valor, é a sua vida; dela

depende o início de todas as coisas, o fundamento de todas as suas

atividades, do seu progresso, de sua felicidade, enfim, devendo,

pois, esse dom, ser guardado e zelado com o máximo amor e

carinho.

Destarte, as negligências com a saúde, como a glutonaria ou a

ingestão de alimentos prejudiciais; as dietas e jejuns tão

largamente usados pelo sexo feminino, para conservar a leveza e

a esbeltez, de que resultam, quase sempre, gravíssimas

enfermidades; os vícios de toda ordem, como o tabagismo, o

alcoolismo, a toxicomania, a luxúria etc.
, assim também todos os

excessos e abusos que solapam as forças psicossomáticas,

apressando a morte, representam formas de auto homicídio

indireto, tanto mais culposo quanto maior tenha sido o prejuízo

causado ao equilíbrio orgânico.

Inspirados por uma falsa piedade, há quem inflija a vítimas de

doenças extremamente dolorosas ou a enfermos idosos e

incuráveis o chamado “golpe de misericórdia” (também

conhecido por “chazinho da meia-noite”), que consiste em pôr fim

à angústia do padecente, administrando-lhe uma droga ou outro

qualquer agente que lhe cause, seguramente, morte rápida e sem

dor.
Julgam, com isso, estar praticando uma ação moralmente boa,

mas, na verdade, trata-se de um covarde homicídio, contrário,

portanto, à Lei de Deus.

Como nos diz S.
Luís, em mensagem inserta no capítulo V de

O Evangelho segundo o Espiritismo, embora um moribundo haja

chegado às vascas da agonia, quem pode afirmar, com plena

certeza, que lhe haja soado a hora derradeira? Deus bem pode

conduzi-lo até esse estado e daí fazê-lo retornar à vida, para que

alimente ideias e propósitos diferentes dos que tinha.
Ademais,

quantas e quantas vezes a Ciência há confessado o engano de suas

previsões? Mesmo quando não exista a menor probabilidade de

um regresso definitivo à saúde, há a possibilidade corroborada por

inúmeros exemplos de o doente, antes de exalar o último suspiro,

reanimar-se e recobrar por instantes o gozo de suas faculdades

morais.
Pois bem: essa hora de graça que lhe é concedida pode

ser-lhe de grande importância.
Às vezes, é nesse momento

extremo que, entregando-se a profundas reflexões, ele se dá conta

dos erros e deslizes praticados durante todo o curso de sua

existência e sente irromper em seu espírito um relâmpago de

arrependimento, capaz de lhe poupar muitos sofrimentos na vida

espiritual.

Guardemo-nos, pois, de abreviar a vida humana, ainda que seja

de minutos, porque, onisciente e infinitamente misericordioso,

Deus não é indiferente sequer à sorte de um pardal e sabe e provê

o que melhor convém a cada um de nós.

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