Livro O que é o Espiritismo – Capítulo I – ELEMENTOS DE CONVICÇÃO – Allan Kardec

ELEMENTOS DE CONVICÇÃO

V.
— Não nego que, do ponto de vista filosófico, a Doutrina Espírita seja perfeitamente racional.
Mas fica sempre essa questão das manifestações, que só os fatos podem resolver, e a realidade desses fatos é o que muitas pessoas negam.
Por isso o senhor não deve estranhar o desejo que se experimenta em presenciá-los.

A.
K.
— É natural.
Mas como viso o aproveitamento que possam ter, explico as condições em que convém se colocar aquele que os deseja observar melhor e, mais do que isso, os compreender.

As pessoas que não se submetem a essas condições evidenciam falta de real desejo de se instruírem.
É inútil, então, perder tempo com elas.

Mas o senhor deve também convir em que seria estranho uma filosofia racional originar-se de fatos ilusórios e falsos.
Em boa lógica, a realidade do efeito implica na realidade da causa.
Se aquele é verdadeiro, não pode ser falsa esta, pois sem a existência de árvores não se podem colher frutos.

Certo é que toda gente não podia evidenciar os fatos, pois nem todos se colocaram nas condições requeridas para os observar, nem tiveram a paciência e a perseverança necessária.
Isto acontece, entretanto, com todas as ciências: o que não fazem uns, fazem outros, e todos os dias as pessoas admitem o resultado de cálculos astronómicos que não fizeram.

Como quer que seja, se o senhor julga boa certa filosofia, pode aceitá-la como a outra qualquer, fazendo reserva de sua opinião sobre os caminhos e meios que a ela o conduziram ou, pelo menos admitindo-os a título de hipótese, até que se lhe forneça mais ampla constatação.

Os elementos de convicção não são os mesmos para todos.
Aquilo que convence alguns pode não causar a mínima impressão a outros, e daqui a necessidade de um pouco de tudo.
É um erro, porém, crer que as experiências constituam o único meio de convicção.
Conheci pessoas que os mais notáveis fenómenos não puderam convencer e sobre cujas dúvidas prevaleceu uma simples resposta por escrito.
Quando se depara um fato que não se compreende, ele se torna mais suspeito quanto mais extraordinário for.
O pensamento busca sempre explicá-lo por uma causa ordinária.
Se o compreendemos, muito mais facilmente o admitimos, porque tem sua razão de ser: então desaparecem o maravilhoso e o sobrenatural.

Sem dúvida, as explicações que acabo de lhe dar, no decorrer desta conversa, estão longe de ser completas.
Mas estou persuadido de que, sumárias como são, dar-lhe-ão em que pensar, e se as circunstâncias o fizerem testemunha de alguma manifestação, o senhor já as observará com menos prevenção, pois poderá firmar o seu raciocínio numa base.

Há dois elementos no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica.
Todos os dias me visitam pessoas que nada viram e que crêem tão firmemente quanto eu, convencidas, apenas, pelo estudo da parte filosófica.
Para elas o fenómeno das manifestações é acessório.
O fundo, a doutrina, a ciência se lhes afiguram tão soberbas e tão racionais, que aí encontram tudo quanto é necessário para lhes satisfazer às aspirações íntimas, mesmo com abstração do fato das manifestações: e concluem que, mesmo supondo a inexistência destas, não deixa a doutrina de ser a que melhor resolve um sem-números de problemas tidos como insolúveis.

Muitos me confessaram que essas ideias, ainda que de maneira confusa, já lhes tinham germinado no cérebro.
O Espiritismo as veio formular ou dar-lhes corpo, e lhes é um raio de luz.
Isto explica o número de adeptos que a simples leitura do Livro dos Espíritos produziu.
O senhor acredita que isso teria acontecido se nos tivéssemos agarrado às mesas girantes e falantes?

V.
— Com muita razão, diz o senhor que das mesas girantes saiu toda uma doutrina filosófica.
Bem longe estava eu de suspeitar das consequências que surgiriam de um fato que se olhava como simples objeto de curiosidade.
Agora percebo quão vasto é o campo que aos nossos olhos abre o seu sistema.

A.
K.
— Disso me dispenso, senhor.
O senhor me honra sobremaneira atribuindo-me tal sistema, que aliás não me pertence.
Todo ele nasceu dos ensinos dos Espíritos.
Eu vi, observei, coordenei e procuro fazer as outras pessoas compreenderem aquilo que compreendo.
Esta é a parte que me toca.

Entre o Espiritismo e os outros sistemas filosóficos existe esta diferença capital: os últimos são obra de homens mais ou menos esclarecidos, ao passo que, neste que o senhor me atribui, não tenho o mérito de ter inventado um só princípio que seja.
Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz, mas não se dirá: a doutrina de Allan Kardec; eu infelizmente, pois, que importância pode ter um nome numa questão tão grave?

O Espiritismo tem auxiliares muito preponderantes, ao lado dos quais somos simples átomos.

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