Livro O que é o Espiritismo – Capítulo I – MEIOS DE – Allan Kardec

MEIOS DE COMUNICAÇÃO

V.
— O senhor falou em meios de comunicação.
Poderia dar-me uma ideia do que sejam? Realmente, é bem difícil compreender-se como podem esses seres invisíveis conversar conosco.

A.
K.
— Com muito gosto.
Entretanto, serei breve, pois o ponto exigiria largas digressões, que o senhor encontrará principalmente no Livro dos Médiuns.
O pouco que lhe explicarei, não obstante, bastará para que faça uma ideia do seu mecanismo e, principalmente, para que compreenda melhor algumas das experimentações a que lhe permitiremos assistir enquanto aguarda sua iniciação propriamente dita.

A existência desse envoltório semi-material, o perispírito, já constitui uma chave para a explicação de muita coisa e demonstra a possibilidade de realização de certos fenómenos.

Quanto aos meios, são variadíssimos e dependem da natureza mais ou menos pura do Espírito, ou das disposições particulares das pessoas que lhes servem de intermediários.

O mais vulgar, o que pode ser chamado universal, consiste na intuição, isto é, em ideias e pensamentos que nos são sugeridos.
Na generalidade dos casos, porém, esse meio é pouco apreciável.
Existem outros, mais materiais.

Alguns Espíritos comunicam-se por meio de pancadas, respondendo por sim e por não, ou então designando as letras que formarão as palavras.
Os golpes originam-se do movimento oscilatório de um objeto, uma mesa, por exemplo, que desfere golpes com um de seus pés.
Via de regra produzem-se na própria substância dos objetos, sem a sua movimentação.
Este modo primitivo é demorado e.
dificilmente se presta às comunicações mais extensas.
Substituiu-o a escrita, que se obtém de diferentes maneiras.

A princípio empregou-se, e ainda hoje se emprega, um objeto móvel, como uma prancheta, uma cesta, uma caixa, à qual se adapta um lápis, cuja ponta corre sobre a folha de papel.
A natureza e a substância de que é formado o objeto não importam.

O médium coloca a mão sobre o objeto, ao qual transmite os impulsos que recebe dos Espíritos, e o lápis traça os caracteres.

Esse objeto, porém, por assim dizer, não é mais do que uma espécie de apêndice da mão, como uma lapiseira, por exemplo.
Mais tarde reconheceu-se a inutilidade de semelhante intermediário, simples complicação do mecanismo, e cujo mérito é evidenciar, de modo mais palpável, a independência do médium, que pode escrever tomando diretamente do lápis.

Os Espíritos também se manifestam e podem transmitir seus pensamentos por meio de ruídos articulados, que retumbam, ora no espaço ora no ouvido, pela voz do médium, pela vista, pelo desenho, pela música e por outros meios que o senhor conhecerá através de um estudo completo da fenomenologia.

Os médiuns são dotados de aptidões diferentes, de características especiais, dependentes de sua organização.
Assim, pois, temos médiuns para efeitos físicos, isto é, aptos a produzir fenómenos materiais, como golpes, levitação e transporte de objetos, etc.
; médiuns auditivos, falantes, desenhistas, de efeitos musicais, psicógrafos.
Esta última faculdade é a mais preciosa, pois dá margem à obtenção de comunicações mais uniformes e mais rápidas.

A mediunidade psicográfica apresenta um sem número de variações, sendo duas as mais notáveis.
Para compreendê-las, é preciso que já se conheça o modo como se realiza o fenómeno.

Às vezes, o Espírito atua sobre a mão do médium, à qual empresta um impulso absolutamente independente da vontade deste, que não tem então consciência do que escreve.
Assim é a mediunidade psicográfica mecânica.
Outras vezes atua sobre o cérebro.
O pensamento da entidade desencarnada une-se ao do médium que, muito embora escrevendo involuntariamente, tem uma consciência mais ou menos clara do que grafa.
Esta é a mediunidade intuitiva.
O papel do médium é exatamente o de um intérprete, que transmite um pensamento que não é seu e que, não obstante, deve compreender.
Neste caso, o pensamento do Espírito e do médium, às vezes, se confundem.
A experiência, porém, nos ensina a distingui-los com facilidade.

Por ambos os géneros de mediunidade obtém-se boas comunicações.
Para as pessoas que ainda não estão convencidas, os médiuns mecânicos são certamente preferíveis.

Na realidade, porém, a qualidade primordial de um médium reside mais na natureza dos Espíritos que o assistem e nas comunicações que recebe, do que propriamente nos meios de execução.

V.
— O processo me parece de uma simplicidade admirável.
O senhor acha que eu poderia tentar uma experiência?

A.
K.
— Sem quaisquer inconvenientes.
Adianto mais que, se o senhor for dotado de faculdades mediúnicas, seria este o melhor meio de se convencer, pois não poderia suspeitar de sua própria boa-fé.

Apenas recomendo-lhe, vivamente, que não se entregue a nenhuma prova sem, antes, ter-se detido em estudos atentos.
As comunicações de além-túmulo cercam-se de maiores dificuldades do que geralmente se crê; não estão isentas de inconvenientes e perigos para os que não têm a necessária experiência.
Sucede o mesmo a quem se mete a fazer manipulações químicas, sem conhecer a química: corre o risco de queimar os dedos.

V.
— É possível conhecer essa aptidão por algum sinal especial?

A.
K.
— Até hoje não se conhece um diagnóstico para a mediunidade.
Todos os que como tal foram considerados carecem de valor e o melhor meio para saber se se é ou não médium, consiste em fazer a experiência.

Ademais, o número de médiuns é considerabilíssimo, e só muito raramente, quando nós mesmos não o somos, deixamos de encontrar algum, no seio de nossa família, ou entre os conhecidos.

O sexo, a idade e o temperamento não importam.
Encontram-se médiuns entre homens e mulheres, crianças e anciãos, pessoas sadias e enfermas.

Se a mediunidade se evidenciasse por um sinal exterior qualquer, implicaria a permanência da faculdade.
Ela é, todavia, extremamente móvel e fugidia.
Sua causa física encontra-se na assimilação, mais ou menos fácil dos fluidos perispirituais do encarnado com os do Espírito desencarnado.
Sua causa moral é o desejo que o Espírito tem de se comunicar, quando lhe agrade, e não à nossa vontade.

Daqui resulta:

1° — que todos os Espíritos não podem se comunicar, indiferentemente, por todos os médiuns.

2° — que todo médium pode, quando menos esperar, ter suspensa ou perdida a sua faculdade.

Isto basta para lhe provar quanto é vasto o campo dos estudos a este respeito, e para se dar conta das variações que o fenómeno apresenta.

É, pois, um erro crer que o Espírito pode atender aos chamados que se lhe dirijam e comunicar-se com o primeiro médium que se apresente.
Para que um Espírito se comunique é preciso, antes de mais nada, que lhe convenha comunicar-se.
Em segundo lugar, que sua posição ou suas ocupações lhe permitam fazê-lo.
E, finalmente, que encontre no médium um instrumento propício e apropriado à sua natureza.

Via de regra é possível comunicarmo-nos com Espíritos de todas as ordens de evolução, com parentes e amigos, com os mais vulgares Espíritos e com os mais elevados.
Independentemente das condições individuais de possibilidade, porém, vêm mais ou menos voluntariamente, segundo as circunstâncias e, principalmente, em razão de suas simpatias para com as pessoas que os invocam, e não ao apelo do primeiro engraçado que tivesse o capricho de os invocar, movido por uma leviana curiosidade.

Em semelhante caso, mesmo durante a vida, não se teriam dado ao trabalho de atender, e tão pouco o fazem depois da morte.

Os Espíritos sérios e graves só comparecem às reuniões sérias, para onde são chamados com recolhimento e por motivos formais.
Não se prestam à satisfação de curiosidade, a demonstrações fúteis nem a experiência alguma.

Os Espíritos levianos encontram-se por toda parte.
Nas reuniões sérias, porém, guardam silêncio e mantêm-se ocultos, à escuta, como faria um estudante numa assembleia ilustre.
Desforram-se nas reuniões frívolas, em que se divertem conosco; zombam dos assistentes e respondem a tudo, pouco se importando com a verdade.

Os Espíritos chamados batedores e, em geral, todos os que se prestam às manifestações físicas, são de uma ordem evolutiva inferior, sem que, por isso, sejam essencialmente maus.
Têm, de certa maneira, uma aptidão toda especial para os efeitos físicos.
Assim como os sábios da Terra não se ocupam com ninharias, os Espíritos superiores também não se ocupam com essas pequenezas.

Quando há necessidade da produção daqueles fenómenos, empregam esses Espíritos, como nós nos servimos dos operários para a execução da parte material de uma obra.

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