Livro O que é o Espiritismo – Capítulo I – ORIGEM DAS IDEIAS ESPÍRITAS MODERNAS – Allan Kardec

ORIGEM DAS IDEIAS ESPÍRITAS MODERNAS

V.
— Desejaria saber qual o ponto de partida das ideias espíritas modernas.
Resultam de uma revelação espontânea dos Espíritos ou de uma crença anterior na sua existência?

O senhor compreende minha pergunta, pois neste último caso podemos ser levados a crer que a imaginação tenha desempenhado um importante papel.

A.
K.
— Essa pergunta, como o senhor mesmo disse, é importante sob este último ponto de vista, posto que seja muito difícil admitir — supondo que essas ideias tenham nascido de uma crença anterior — que a imaginação tenha produzido todos os resultados materiais observados.

Efetivamente, se o Espiritismo se tivesse baseado na ideia preconcebida da existência dos Espíritos, poder-se-ia, com aparente razão, duvidar de sua realidade.
Sendo a causa uma quimera, quiméricas serão, forçosamente, as consequências.

As coisas, porém, não se passaram assim.

Observe, antes de tudo, que esse raciocínio é ilógico.
Os Espíritos são causa e não efeito.
Quando se tem um efeito, pode-se inquirir sua causa; mas não é natural imaginar uma causa antes de se lhe terem visto os efeitos.

Não se podia, pois, conceber a ideia dos Espíritos, se não tivessem ocorrido certos fenómenos que encontravam provável explicação na existência dos seres invisíveis.

Pois bem; assim também nasceu tal pensamento.
Quero dizer, que não se imaginou uma hipótese para explicar os fenómenos.

A primeira suposição feita foi que a causa era material.

Assim, longe de ter sido preconcebida, a ideia da existência dos Espíritos partiu de um ponto de vista materialista.
Isto, porém, não bastou para explicar tudo.
A observação, e só observação, conduziu à causa espiritualista.

Falo das ideias espíritas modernas, pois já sabemos que esta crença é tão antiga quanto o mundo.

Eis a marcha dos acontecimentos:

Sem causa extensiva conhecida, produziram-se certos fenómenos espontâneos, como: ruídos insólitos, pancadas, movimentos de objetos, etc.
Esses fenómenos foram reproduzidos sob a influência de determinadas pessoas.
Até aqui, nada autorizava que se lhes buscasse a causa fora da ação de um fluido magnético ou de um outro fluido qualquer, cuja natureza ainda era desconhecida.
Não se tardou, porém, a reconhecer nos ruídos e nos movimentos um caráter intencional e inteligente; de onde se deduziu, conforme disse, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.
Essa inteligência não podia residir no próprio objeto: — a matéria não é inteligente.

Seria o reflexo mental de pessoa ou pessoas presentes?

O pronunciamento tinha de partir da experiência e esta demonstrou, com provas irrecusáveis, em centenas de ocasiões, a absoluta independência da inteligência que agia.

Esta nem pertencia ao objeto nem à pessoa.

Quem era?

Ela própria respondeu.
Declarou pertencer à classe dos seres incorpóreos designados pelo nome de Espíritos.
A ideia dos Espíritos não preexistia, pois, nem pode ser considerada consequência do fato.
Numa palavra, não saiu do cérebro: foi dada pêlos próprios Espíritos.
E foram eles que nos ensinaram tudo o que, depois, sobre eles viemos a saber.

Revelada a existência dos Espíritos e estabelecidos os meios de comunicação, tornou-se possível manter com eles contínuas palavras e resenhas sobre a natureza que lhes é própria, as condições de sua existência e sua missão no mundo invisível.

Se, igualmente, pudessem ser interrogados os seres do mundo dos infinitamente pequenos, que nós vemos pelas lentes dos microscópios, quanta coisa curiosa ficaríamos sabendo acerca deles!

Supondo-se que, antes do descobrimento da América, existisse um fio elétrico através do Atlântico e que na extremidade correspondente à Europa se notassem sinais inteligentes, não se poderia deduzir que na outra extremidade existiam seres inteligentes tentando estabelecer comunicação?

Propor-se-lhes-ia, então, uma série de questões, às quais responderiam, e assim estaria adquirida a certeza da sua existência, o conhecimento de seus costumes, hábitos e maneiras de ser, e isto apesar de não os conhecermos.

O mesmo se deu no tocante às relações com o mundo invisível: as manifestações materiais foram como sinais, como advertências que preludiaram comunicações mais regulares e constantes.
E, coisa notável! À medida que íamos tendo ao nosso alcance meios mais fáceis de comunicação, os

Espíritos foram abandonando os processos primitivos insuficientes e incómodos, como um mudo que recobrasse o dom da palavra e renunciasse à linguagem dos sinais.

Quem eram os habitantes do mundo desconhecido?

Seres excepcionais, fora dos limites humanos?

Benévolos ou malévolos?

Foi outra vez a experiência que se encarregou de responder às novas questões.
Mas, até que numerosas observações fizessem luz sobre o assunto, esteve aberto o campo das conjeturas e dos sistemas, — e Deus sabe que não foram poucos os que surgiram! Uns viram espíritos superiores em todos, outros apenas demónios.

Suponhamos que dos habitantes transatlânticos desconhecidos, de que falamos, uns tivessem dito nobres palavras, ao passo que outros se tivessem feito notáveis pelo cinismo da linguagem.
Sem dúvida concluir-se-ia pela existência de bons e maus em seu meio.

Foi o que sucedeu com os Espíritos: Reconheceram-se neles todas as gradações de bondade e de maldade, de ignorância e de cultura.
Uma vez instruídos acerca dos seus defeitos e boas qualidades, competia-nos separar o joio do trigo, o verdadeiro do falso, nas relações que com eles mantivéssemos, exatamente como fazemos em relação aos homens.

A observação não nos esclareceu apenas quanto às qualidades dos Espíritos, mas também quanto à sua natureza e sobre o que nos permitimos chamar — o seu estado fisiológico.
Ficou-se sabendo, por informação deles mesmos, que uns eram muito felizes, outros extremamente desgraçados; que não são criaturas excepcionais, nem de natureza distinta da humana, mas sim as próprias almas de pessoas que viveram na Terra e que aqui deixaram seu envoltório corporal, que povoam os espaços, rodeiam-nos e constantemente se imiscuem entre nós, e que no seu meio poderemos reconhecer, por sinais inconfundíveis, nossos parentes, amigos e conhecidos da Terra.

Foi possível segui-los em todas as fases da existência de além-túmulo, a partir do instante em que abandonaram o corpo, e anotar observações quanto à situação em que se acham, conforme o género de morte que tiveram e a conduta de vida que se impuseram na Terra.

Soube-se, finalmente, que não eram seres abstratos, imateriais no sentido absoluto da palavra: têm um envoltório ao qual denominamos perispírito, espécie de corpo fluídico vaporoso, diáfano, normalmente invisível, mas que, em determinadas circunstâncias e por um processo semelhante ao da condensação ou por sua disposição molecular, pode tornar-se visível e até momentaneamente tangível.
Assim ficou explicado o fenómeno das aparições e dos contatos.

Esse envoltório existe durante a vida do corpo: é o laço entre o espírito e a matéria.
Morto o corpo, a alma ou espírito, que são a mesma coisa, despoja-se apenas do envoltório grosseiro, conservando o outro, assim como nós fazemos quando despimos uma veste sobreposta e conservamos a interior, e como o germe do fruto se despoja da envoltura cortical, conservando, unicamente, o perisperma.

Esse envoltório semi-material do Espírito é o agente dos diferentes fenómenos de que se servem para nos manifestarem sua presença.

Em rápidos traços tem o senhor a história do Espiritismo.

Já vê, e isso reconhecerá melhor quando estudar a questão a fundo, que tudo no Espiritismo resultou de observação e não de um sistema preconcebido.

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